A Luta de Classes Acabou
A luta de classes esfumou-se, dissolveu-se, a democracia tem funcionado como um diluente social: toda a gente vive, compra e acorre ao hipermercado, ao balcĂŁo do bar e aos concertos pagos pelo municĂpio na praça central, e todos falam ao mesmo tempo, vozes que se misturam como nas tumultuosas reuniões no cine Tivoli evocadas pelo meu pai, já nĂŁo se distingue o que está em cima do que está em baixo, está tudo enredado, confuso, e, porĂ©m, reina uma misteriosa ordem, eis a democracia. Mas, de sĂşbito, desde há um par de anos, parece desenhar-se uma ordem mais explĂcita, menos insidiosa. A nova ordem Ă© bem visĂvel, com os nĂveis superior e inferior bem definidos: alguns transportam com orgulho sacos repletos de compras e cumprimentam sorridentes os vizinhos Ă porta do centro comercial, outros remexem nos contentores onde os empregados do hipermercado lançaram as embalagens de carne fora de prazo, a fruta e as verduras pisadas, os pastĂ©is industriais caducados. Lutam entre si por esses alimentos.
(…) Trivial, a luta de classes? EntĂŁo nĂŁo era isso que determinava, que impregnava e condicionava tudo? O grande motor da histĂłria universal? NĂŁo era nisso que acreditavam o meu pai e os seus camaradas,
Textos sobre Seriedade de Rafael Chirbes
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