Textos sobre Situação de José Ortega y Gasset

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Textos de situação de José Ortega y Gasset. Leia este e outros textos de José Ortega y Gasset em Poetris.

A Nefasta Hiperdemocracia dos Nossos Tempos

Ninguém, creio eu, deplorará que as pessoas gozem hoje em maior medida e número que antes, já que têm para isso os apetites e os meios. O mal é que esta decisão tomada pelas massas de assumir as actividades próprias das minorias, não se manifesta, nem pode manifestar-se, só na ordem dos prazeres, mas que é uma maneira geral do tempo. Assim (…) creio que as inovações políticas dos mais recentes anos não significam outra coisa senão o império político das massas. A velha democracia vivia temperada por uma dose abundante de liberalismo e de entusiasmo pela lei. Ao servir a estes princípios o indivíduo obrigava-se a sustentar em si mesmo uma disciplina difícil. Ao amparo do princípio liberal e da norma jurídica podiam atuar e viver as minorias. Democracia e Lei, convivência legal, eram sinónimos. Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa actua directamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.
É falso interpretar as situações novas como se a massa se houvesse cansado da política e encarregasse a pessoas especiais o seu exercício. Pelo contrário. Isso era o que antes acontecia, isso era a democracia liberal. A massa presumia que,

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Não se Pode Mandar Contrariando a Opinião Pública

A verdade é que não se manda com os janízaros. Assim, dizia Talleyrand a Napoleão: «Com as baionetas, Sire, pode-se fazer tudo, menos uma coisa: sentar-se sobre elas». E mandar não é atitude de arrebatar o poder, mas tranquilo exercício dele. Em suma, mandar é sentar-se. Trono, cadeira curul, banco azul, poltrona ministerial, sede. Contra o que uma óptica inocente e folhetinesca supõe, o mandar não é tanto questão de punhos como de nádegas. O Estado é, em definitivo, o estado da opinião: uma situação de equilíbrio, de estática.
O que sucede é que às vezes a opinião pública não existe. Uma sociedade dividida em grupos discrepantes, cuja força de opinião fica reciprocamente anulada, não dá lugar a que se constitua um mando. E como a Natureza tem horror ao vácuo, esse oco que deixa a força ausente de opinião pública enche-se com a força bruta. Em suma, pois, avança esta como substituta daquela.
Por isso, se se quer expressar com toda a precisão a lei da opinião pública como lei da gravitação histórica, convém ter em conta esses casos de ausência, e então chega-se a uma fórmula que é o conhecido, venerável e verídico lugar comum: não se pode mandar contrariando a opinião pública.

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O Primitivo Reina na Civilização Actual

Todo o crescimento de possibilidades concretas que a vida experimentou corre risco de se anular a si mesmo ao topar com o mais pavoroso problema sobrevindo no destino europeu e que de novo formulo: apoderou-se da direção social um tipo de homem a quem não interessam os princípios da civilização. Não os desta ou os daquela, mas – ao que hoje pode julgar-se – os de nenhuma. Interessam-lhe evidentemente os anestésicos, os automóveis e algumas coisas mais. Mas isto confirma o seu radical desinteresse pela civilização. Pois estas coisas são só produtos dela, e o fervor que se lhes dedica faz ressaltar mais cruamente a insensibilidade para os princípios de que nascem. Baste fazer constar este fato: desde que existem as nuove scienze, as ciências físicas – portanto, desde o Renascimento –, o entusiasmo por elas havia aumentado sem colapso, ao longo do tempo. Mais concretamente: o número de pessoas que em proporção se dedicavam a essas puras investigações era maior em cada geração. O primeiro caso de retrocesso – repito, proporcional – produziu-se na geração que hoje vai dos vinte aos trinta anos. Nos laboratórios de ciência pura começa a ser difícil atrair discípulos. E isso acontece quando a indústria alcança o seu maior desenvolvimento e quando as pessoas mostram maior apetite pelo uso de aparelhos e medicinas criados pela ciência.

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O Perigo da Extinção do Individualismo

Ao contemplar nas grandes cidades essas imensas aglomerações de seres humanos, que vão e vêm pelas suas ruas ou se concentram em festivais e manifestações políticas, incorpora-se em mim, obsedante, este pensamento: pode hoje um homem de vinte anos formar um projecto de vida que tenha figura individual e que, portanto, necessitaria realizar-se mediante as suas iniciativas independentes, mediante os seus esforços particulares? Ao tentar o desenvolvimento desta imagem na sua fantasia, não notará que é, senão impossível, quase improvável, porque não há à sua disposição espaço em que possa alojá-la e em que possa mover-se segundo o seu próprio ditame? Logo advertirá que o seu projecto tropeça com o próximo, como a vida do próximo aperta a sua. O desânimo leva-lo-á com a facilidade de adaptação própria da sua idade a renunciar não só a todo o acto, como até a todo o desejo pessoal e buscará a solução oposta: imaginará para si uma vida standard, composta de desideratos comuns a todos e verá que para consegui-la tem de a solicitar ou exigir em coletividade com os demais. Daí a acção em massa.
A coisa é horrível, mas não creio que exagera a situação efectiva em que se vão achando quase todos os europeus.

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Disponibilidade Vazia

O cigano foi-se confessar; mas o padre, precavido, começou por interrogá-lo sobre os mandamentos de Deus. Ao que o cigano respondeu: «Olhe, senhor padre, eu ia aprender isso, mas depois ouvi um zum-zum de que tinha perdido o valor». (…) Todo o mundo – nações, indivíduos – está desmoralizado. Durante uma temporada, esta desmoralização diverte e até vagamente ilude. Os inferiores pensam que lhes tiraram um peso de cima. Os decálogos conservam do tempo em que eram inscritos sobre pedra ou bronze oseu carácter de pesadume. A etimologia de mandar significa carregar, pôr em alguém algo nas mãos. Quem manda é, sem remissão, quem tem o encargo. Os inferiores do mundo inteiro já estão fartos de que os encarreguem e sobrecarreguem, e aproveitam com ar festivo este tempo de pesados imperativos. Mas a festa dura pouco. Sem mandamentos que nos obriguem a viver de um certo modo, fica a nossa vida em pura disponibilidade. Esta é a horrível situação íntima em que se encontram já as melhores juventudes do mundo. De puro sentir-se livres, isentas de entraves, sentem-se vazias. Uma vida em disponibilidade é maior negação que a morte. Porque viver é ter que fazer algo determinado – é cumprir um encargo –,

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