Humanismo e Liberalismo
O termo humanismo é infelizmente uma palavra que serve para designar as correntes filosóficas, não somente em dois sentidos, mas em três, quatro, cinco ou seis. Toda a gente é humanista na hora que passa, até mesmo certos marxistas que se descobrem racionalistas clássicos, são humanistas num enfadonho sentido, derivado das ideias liberais do último século, o dum liberalismo refractado através de toda a crise actual. Se os marxistas podem pretender ser humanistas, as diferentes religiões, os cristãos, os hindus, e muitos outros afirmam-se também antes de mais humanistas, como por sua vez o existencialista, e de um modo geral, todas as filosofias. Actualmente muitas correntes políticas se reivindicam igualmente um humanismo. Tudo isso converge para uma espécie de tentativa de restabelecimento duma filosofia que, apesar da sua pretensão, recusa no fundo comprometer-se, e recusa comprometer-se, não somente no ponto de vista político e social, mas também num sentido filosófico profundo.
Se o cristianismo se pretende antes de tudo humanista, é porque ele não pode comprometer-se, quer dizer participar na luta das forças progressivas, porque se mantém em posições reaccionárias frente a esta revolução. Quando os pseudomarxistas ou os liberais se reclamam da pessoa antes do mais, é porque eles recuam diante das exigências da situação presente no mundo.
Textos sobre Situação de Vergílio Ferreira
5 resultadosLiberdade Consciente ou Inconsciente
Aquilo que «actua» sobre mim só actua porque eu o escolhi como actuante. Não é porque alguém me ofenda que eu reajo violentamente, mas sim porque escolho tal ofensa como «móbil» da minha reacção. Tal escolha, porém, de um móbil, posso não reconhecê-la senão depois de se manifestar. Assim são normalmente os meus actos que me esclarecem sobre o que realmente sou, sobre aquilo que realmente escolhi, sobre a minha liberdade.
Mas isso não significa que eu seja «inconsciente», já que, segundo Sartre, o homem é consciência de ponta a ponta, em todos os seus aspectos. Simplesmente, há consciência posicional, reflectida, e consciência não-posicional, não reflectida. A minha liberdade é de facto consciente, mas só os meus actos claramente ma revelam. Em qualquer situação portanto, eu «sou consciência de liberdade». Assim a minha liberdade é o estofo do meu ser.
Quanto Mais se Ama Mais Fraco se É
Nas relações amorosas o único sentimento que não funciona é o da piedade. Quando é o caso de que se devesse manifestar, o que surge não é a piedade mas o asco ou a irritação. Eis porque em relação alguma se é tão cruel. Todos os sentimentos têm o seu contraponto. Excluída a piedade, a crueldade não o tem. Por experiência se pode saber quanto se sofre quando não se é amado. Mas isso de nada vale quando se não ama quem nos ama: é-se de pedra e implacável. Decerto, tudo se pode pedir e obter. Excepto que nos amem, porque nenhum sentir depende da nossa vontade. Mas só no amor se é intolerante e cruel. Porque mostar amor a quem nos não ama rebaixa-nos a um nível de degradação. E a degradação só nos dá lástima e repulsa. A única possibilidade de se ser amado por quem nos não ama é parecer que se não ama. Então não se desce e assim o outro não sobe. E então, porque não sobe, ele tem menos apreço por si, ou seja, mais apreço pelo amante. O jogo do amor é um jogo de forças. Quanto mais se ama mais fraco se é.
O Homem não Deseja a Paz
Que estranho bicho o homem. O que ele mais deseja no convívio inter-humano não é afinal a paz, a concórdia, o sossego colectivo. O que ele deseja realmente é a guerra, o risco ao menos disso, e no fundo o desastre, o infortúnio. Ele não foi feito para a conquista de seja o que for, mas só para o conquistar seja o que for. Poucos homens afirmaram que a guerra é um bem (Hegel, por exemplo), mas é isso que no fundo desejam. A guerra é o perigo, o desafio ao destino, a possibilidade de triunfo, mas sobretudo a inquietação em acção. Da paz se diz que é «podre», porque é o estarmos recaídos sobre nós, a inactividade, a derrota que sobrevém não apenas ao que ficou derrotado, mas ainda ou sobretudo ao que venceu. O que ficou derrotado é o mais feliz pela necessidade iniludível de tentar de novo a sorte. Mas o que venceu não tem paz senão por algum tempo no seu coração alvoroçado. A guerra é o estado natural do bicho humano, ele não pode suportar a felicidade a que aspirou. Como o grupo de futebol, qualquer vitória alcançada é o estímulo insuportável para vencer outra vez.
A Intensidade de um Sentimento
Creio que a intensidade de um sentimento tem que ver com o número de elementos a que se aplica. Penso assim que ele varia na razão inversa do número desses elementos. Quanto maior for o número de filhos, menor é a alegria ou o desgosto que cada um provoca ao pai. O máximo de sentir diz respeito a todos e divide-se portanto por cada um. Se um indivíduo é o chefe de um povo, transfere para a colectividade a sua capacidade de sentir. Assim ele é praticamente insensível perante a sorte de cada um. A famosa insensibilidade de um chefe tem que ver com isso. O mesmo para o autodomínio que se refere a um indivíduo particular. Julgo que na realidade se trata de uma distribuição do seu sentir por vários elementos dos quais por exemplo os filhos (ou ele próprio) são apenas uma fracção. O resto dessa fracção pode ir para os seus negócios, o seu partido político, os seus amigos ou amantes, o seu clube. E então o admitável autodomínio tem apenas que ver com uma parcela do sentir. E com essa parcela já se pode ser forte e aguentar. Isto, se se não trata apenas, como julgo já ter dito,