As Atracções Inferiores
Faz pena. A gente elege entre trinta mil almas meia dĂşzia de indivĂduos para conviver, e, afinal, chega perto deles a defender uma pureza polĂtica, uma pureza profissional, uma pureza sexual, e caem sobre nĂłs mil argumentos dum pragmatismo dĂşbio, suspeito, que confrange. Longe de se receber estĂmulo para combater as tentações, encontra-se um escorregadoiro conivente para o abismo delas. — É o meio — repito de cada vez, a tentar iludir-me. Mas Ă© inĂştil vendar o olhos. AtĂ© o meio geográfico se pode vencer, quanto mais o meio social. Na luta contra as atracções inferiores do ambiente humano Ă© que está precisamente a beleza duma vida. O meio! Eles Ă© que sĂŁo o meio, assim perdidos, duplos, comprometidos com a podridĂŁo atĂ© Ă raiz.
Textos sobre Sociedade de Miguel Torga
4 resultadosÉ Preciso Regressar ao Amigo Íntimo
Custa, mas o melhor Ă© ver o problema a toda a luz. No conceito do homem abstracto Ă© necessário afinal meter tanto estrume, que nĂŁo há entusiasmo que resista. Feito de mil incoerĂŞncias, movido por sentimentos ocasionais, preso a necessidades rudimentares, o bĂpede real, ao ser premido no molde da abstracção, rebenta a forma. E Ă© preciso regressar ao amigo Ăntimo, ao compadre, para se calcar terra firme. Numa palavra: nĂŁo há um homem-sĂmbolo que se possa venerar: há simples indivĂduos cujas virtudes e defeitos toleram um convĂvio social urbano.
A PolĂtica ao Sabor dos Humores Pessoais e Colectivos
Bem quero, mas nĂŁo consigo alhear-me da comĂ©dia democrática que substituiu a tragĂ©dia autocrática no palco do paĂs. SĂł nĂłs! Dá vontade de chorar, ver tanta irreflexĂŁo. NĂŁo aprendemos nenhuma lição polĂtica, por mais eloquente que seja. Cinquenta anos a suspirar sem glĂłria pelo fim de um jugo humilhante, e quando temos a oportunidade de ser verdadeiramente livres escravizamo-nos Ă s nossas obsessões. NinguĂ©m aqui entende outra voz que nĂŁo seja a dos seus humores.
É humoralmente que elegemos, que legislamos, que governamos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os nĂveis da cidadania. Com oitocentos anos de HistĂłria, parecemos crianças sociais. Jogamos Ă s escondidas nos corredores das instituições.
O Adoçamento da PĂlula Vocabular
É curioso verificar atravĂ©s da lĂngua — espelho fiel de cada sociedade e de cada Ă©poca — como em certos aspectos essenciais da vida nĂŁo houve práticamente progresso nenhum, consistindo tudo quanto se fez num puro e vazio eufemismo de designação. Escravo, servo, criado, empregado, assalariado … ; demonĂaco, possesso, maluco, doido, doente, nevrosado…