Textos sobre Sombra de José Luís Peixoto

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Textos de sombra de José Luís Peixoto. Leia este e outros textos de José Luís Peixoto em Poetris.

Amo-te

Talvez nĂŁo seja prĂłprio vir aqui, para as pĂĄginas deste livro, dizer que te amo. NĂŁo creio que os leitores deste livro procurem informaçÔes como esta. No mundo, hĂĄ mais uma pessoa que ama. Qual a relevĂąncia dessa notĂ­cia? À sombra do guarda-sol ou de um pinheiro de piqueniques, os leitores nĂŁo deverĂŁo impressionar-se demasiado com isso. Depois de lerem estas palavras, os seus pensamentos instantĂąneos poderĂŁo diluir-se com um olhar em volta. Para eles, este texto serĂĄ como iniciais escritas por adolescentes na areia, a onda que chega para cobri-las e apagĂĄ-las. E possĂ­vel que, perante esta longa afirmação, alguns desses leitores se indignem e que escrevam cartas de protesto, que reclamem junto da editora. Dou-lhes, desde jĂĄ, toda a razĂŁo.
Eu sei. Talvez nĂŁo seja prĂłprio vir aqui dizer aquilo que, de modo mais ecolĂłgico, te posso afirmar ao vivo, por email, por comentĂĄrio do facebook ou mensagem de telemĂłvel, mas Ă© tĂŁo bom acreditar, transporta tanta paz. Tu sabes. Extasio-me perante este agora e deixo que a sua imensidĂŁo me transcenda, nĂŁo a tento contrariar ou reduzir a qualquer coisa explicĂĄvel, que tenha cabimento nas palavras, nestas pobres palavras. Em vez disso, desfruto-a, sorrio-lhe. NĂŁo estou aqui com a expectativa de ser entendido.

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O Primeiro Beijo

Durante todas as noites desse verĂŁo, as estrelas foram lĂ­quidas no cĂ©u. Quando eu as olhava, eram pontos lĂ­quidos de brilho no cĂ©u. Na primeira vez, encontrĂĄmo-nos durante o dia: eu sorri-lhe, ela sorriu-me. Dissemos duas ou trĂȘs palavras e contivemo-nos dentro dos nossos corpos. Os olhos dela, por um instante, foram um abismo onde fiquei envolto por leveza luminosa, onde caĂ­a como se flutuasse: cair atravĂ©s do cĂ©u dentro de um sonho.

Naquela noite, fiquei a esperĂĄ-la, encostado ao muro, alguns metros depois da entrada da pensĂŁo. As pessoas que passavam eram alegres. Eu pensava em qualquer coisa que me fazia sentir maior por dentro, como a noite. As folhas de hera que cobriam o cimo do muro, e que se suspendiam sobre o passeio, eram uma Ășnica forma nocturna, feita apenas de sombras. Primeiro, senti as folhas de hera a serem remexidas; depois, vi os braços dela a agarrarem-se ao muro; depois, o rosto dela parado de encontro ao cĂ©u claro da noite. E faltou uma batida ao coração.

O mundo parou. Sombras pousavam-lhe, transparentes, na pele do rosto. O ar fresco, arrefecido, moldava-lhe a pele do rosto. E o mundo continuou. Ajudei-a a descer.

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Pai, Quero que Saibas

É o teu rosto que encontro. Contra nĂłs, cresce a manhĂŁ, o dia, cresce uma luz fina. Olho-te nos olhos. Sim, quero que saibas, nĂŁo te posso esconder, ainda hĂĄ uma luz fina sobre tudo isto. Tudo se resume a esta luz ïŹna a recordar-me todo o silĂȘncio desse silĂȘncio que calaste. Pai. Quero que saibas, cresce uma luz ïŹna sobre mim que sou sombra, luz ïŹna a recortar-me de mim, tĂ©nue, sombra apenas. NĂŁo te posso esconder, depois de ti, ainda hĂĄ tudo isto, toda esta sombra e o silĂȘncio e a luz fina que agora Ă©s.