Pai
Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O cĂ©u desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. TranslĂșcida, adormece um sono cĂĄlido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as ĂĄrvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cĂĄ ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mĂĄgoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto Ă© agora pouco para te conter. Agora, Ă©s o rio e as margens e a nascente; Ă©s o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; Ă©s o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as ĂĄrvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim.
Textos sobre Sono de JosĂ© LuĂs Peixoto
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