Viver Sozinho
A infelicidade do celibatário, pretensa ou verdadeira, é tão fácil de adivinhar pelo mundo que o rodeia que ele maldiz a decisão, pelo menos se ficou solteiro por causa dos prazeres que tem em segredo. Anda por aí com o casaco abotoado, as mãos nos bolsos do casaco, os braços flectidos, o chapéu bem enterrado para a cara, um sorriso falso, que se tornou natural nele, pretende esconder-lhe a boca como os óculos lhe escondem os olhos, as calças demasiado apertadas para parecerem bem nas pernas. Mas toda a gente sabe da sua situação, pode pormenorizar os sofrimentos. Uma brisa fria sopra sobre ele vinda de dentro e ele olha lá para dentro com a metade ainda mais triste da sua dupla cara. Muda-se incessantemente, mas com regularidade previsível, de um apartamento para outro. Quanto mais foge dos vivos, para quem, contudo, e é este o ponto mais cruel, ele tem de trabalhar como um escravo consciente, que não pode revelar a sua consciência, tanto menor é o espaço que consideram bastar-lhe. Enquanto é a morte que irá fazer tombar os outros, mesmo que tenham passado a vida num leito de doente, porque embora eles já há muito tivessem sucumbido por si próprios devido à sua fraqueza,
Textos sobre Sorriso de Franz Kafka
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A Medida da Fé
Tão mais opressiva que a convicção implacável do nosso presente estado pecaminoso é a mais frágil convicção da antiga, eterna justificação da nossa existência temporal. Só a capacidade de suportar desta segunda convicção, que na sua pureza abrange completamente a primeira, é a medida da fé.
Muitos consideram que, ao lado da grande fraude primitiva, existe em cada caso particular uma pequena fraude especial, encenada em proveito próprio, do mesmo modo como, por exemplo, numa intriga amorosa, representada no palco, a actriz, além do falso sorriso para o seu amante, tem ainda outro, particularmente pérfido, dirigido a um espectador determinado na última fileira da galeria. Isso significa ir longe demais.