O Medo como Orientador da Nossa Vida
Uma vez que estamos sĂłs no mundo, ou pelo menos nĂŁo tĂŁo sĂłs como gostarĂamos de estar, temos o dever de dominar as nossas explosĂ”es, de fazer com que as explosĂ”es inevitĂĄveis da nossa maldade ou da nossa bondade paradoxais vĂŁo aproximativamente no sentido do fim aproximativo. Quanto ao fim, talvez nĂŁo seja lĂĄ muito importante determinĂĄ-lo com a precisĂŁo sĂĄdica que encontramos no sistema do mundo e no destino quando ambos se associam para determinar a posição do homem no espaço e no tempo.
Devemos evidentemente batermo-nos contra os dois, e como o mais importante Ă© manter a direcção justa do fim talvez errado, Ă©-nos necessĂĄrio aguçar a nossa lucidez a fim de a tornarmos cortante como uma lĂąmina, acerada como uma seta, percuciente como uma punção. Ă graças a essa lucidez que funciona a nossa consciĂȘncia, que nĂŁo passa afinal de uma transcrição idĂlica do nosso medo, porque o medo lembra-nos infatigavelmente a direcção justa, e se sufocarmos o nosso medo, perderemos a possibilidade de nos orientarmos numa direcção determinada e daremos aqui e ali lugar a uma sĂ©rie de estĂșpidas explosĂ”es privadas, causando os piores estragos para um mĂnimo de resultados. Ă por isso que devemos conservar dentro de nĂłs o nosso medo como um porto sempre livre de gelos que nos ajude a passar o Inverno,
Textos de Stig Dagerman
5 resultadosA Imensa Imoralidade da ExistĂȘncia
Viver era como correr em cĂrculo num grande labirinto, esse gĂ©nero de labirinto para crianças que se vĂȘ em certos parques de jogos modernos; em cima de uma pedra no meio do labirinto hĂĄ uma pedra brilhante; os mĂudos chegam com as faces coradas, cheios de uma fĂ© inabalĂĄvel na honestidade do labirinto e começam a correr com a certeza de alcançarem dentro de pouco tempo o seu alvo. Corremos, corremos, e a vida passa, mas continuaremos a correr na convicção de que o mundo acabarĂĄ por se mostrar generoso para quem correr sem desĂŁnimo, e quando por fim descobrimos que o labirinto sĂł aparentemente tende para o ponto central, Ă© tarde demais – de facto, o construtor do labirinto esmerou-se a desenhar vĂĄrias pistas diferentes, das quais sĂł uma conduz Ă pĂ©rola, de modo que Ă© o acaso cego e nĂŁo a justiça lĂșcida o que determina a sorte dos que correm.
Descobrimos que gastĂĄmos todas as nossas forças a realizar um trabalho perfeitamente inĂștil, mas Ă© muito tarde jĂĄ para recuarmos. Por isso nĂŁo Ă© de espantar que os mais lĂșcidos saiam da pista e suprimam algumas voltas inĂșteis para atingirem o centro cortando caminho. Se dissermos que se trata de uma acção imoral e maldosa,
O Acaso Introduz e Acaba as Nossas AcçÔes
Ă de um sadismo soberbo pensar que deverĂamos ser julgados pelas nossas boas e mĂĄs acçÔes, uma vez que sĂł de um pequenĂssimo nĂșmero das nossas acçÔes podemos decidir. O acaso cego, que se distingue da justiça cega pelo simples facto de ainda nĂŁo usar venda, introduz e acaba as nossas acçÔes; o que podemos fazer e, bem entendido, o que devemos fazer, em virtude da existĂȘncia tantas vezes negada da nossa consciĂȘncia, Ă© deixarmo-nos arrastar numa certa direcção e mantermo-nos depois nessa direcção enquanto conservamos os olhos abertos e estamos conscientes de que o fim em geral Ă© uma ilusĂŁo, pelo que o fundamental Ă© a direcção que mantivermos, pois sĂł ela se encontra sob o nosso controlo, sob o controlo do nosso miserĂĄvel eu. E a lucidez, sim, a lucidez, os olhos abertos fitando sem medo a nossa terrĂvel situação devem ser a estrela do eu, a nossa Ășnica bĂșssola, uma bĂșssola que cria a direcção, porque sem bĂșssola nĂŁo hĂĄ direcção. Mas se me disponho agora a acreditar na direcção, passo a duvidar dos testemunhos relativos Ă maldade humana, uma vez que no interior de uma mesma direcção – em si mesma excelente – podem existir correntes boas e mĂĄs.
Natureza de Escravo
Desde quando Ă© que se tornou digno de louvor o facto de alguĂ©m possuir uma natureza de escravo? Depois de todos os sĂmbolos do poder terem desaparecido, jĂĄ nĂŁo tinhas qualquer razĂŁo para obedecer, mas continuaste a fazĂȘ-lo. Que força misteriosa te impelia a obedecer Ă s ordens de pessoas tĂŁo desgraçadas como tu, tĂŁo nuas e miserĂĄveis como tu? Eras demasiado cobarde para tentares fazer como os outros, para experimentares dizer uma vez que fosse ao capitĂŁo: vai buscar lenha, preciso de me aquecer Ă fogueira. NĂŁo, tinhas descoberto uma outra solução; enquanto estavas ainda saciado, calculavas friamente que chegaria a hora em que a tua fome seria maior do que a dos outros todos. E entĂŁo pensavas: em breve ficarei faminto, tornar-me-ei selvagem e sem escrĂșpulos, revoltar-me-ei, nĂŁo abertamente, mas de modo dissimulado, contra estes terroristas. Com a cabeça fria, fazias projectos sobre a maneira como utilizarias a tua embriaguez, e Ă© isso que Ă© desprezĂvel.
A Culpa Ă© Sentirmo-nos Culpados
A culpa Ă© sentirmo-nos culpados, e nĂŁo um resultado dos crimes cometidos; o ser inocente Ă© alegre, feliz, e nĂŁo deixa, seja em que caso for, que os acontecimentos perturbem a sua calma e a sua paz. Ă por isso que considero que a justiça erra quando executa os menos em vez dos mais culpados, quer dizer quando executa os criminosos e nĂŁo aqueles que sentem que tĂȘm no coração a culpa do mundo. Isso equivale a executar crianças por acçÔes que cometeram no escuro quando ignoravam tudo acerca do escuro e das reacçÔes que provoca no funcionamento dos corpos. Uma vez que sĂŁo culpados apenas os que se sentem culpados, seria necessĂĄrio suprimir a justiça distribuitiva de castigos e substituĂ-la por uma justiça executora, porque ao fim de algum tempo aquele que a culpa mortifica jĂĄ sĂł aspira a morrer, a morrer pelas faltas do mundo como pelas suas prĂłprias faltas, e pode sem a mĂnima hesitação, sim, sem a menor angĂșstia de morte, uma vez que nada tem a esperar agora que tocou finalmente o fundo do mundo, pedir Ă justiça a sua pena de morte – e nunca outra cabeça se curvarĂĄ mais graciosamente do que a sua por baixo da guilhotina,