As OscilaçÔes da Personalidade
Pretender que a nossa personalidade seja mĂłvel e susceptĂvel de grandes mudanças Ă©, por vezes, noção um pouco contrĂĄria Ă s idĂ©ias tradicionais atinentes Ă estabilidade do âeuâ. A sua unidade foi durante muito tempo um dogma indiscutĂvel. Factos numerosos vieram provar quanto esta ideia era fictĂcia.
O nosso âeuâ Ă© um total. CompĂ”e-se da adição de inumerĂĄveis âeuâ celulares. Cada cĂ©lula concorre para a unidade de um exĂ©rcito. A homogeneidade dos milhares de indivĂduos que o compĂ”em resulta somente de uma comunidade de acção que numerosas coisas podem destruir.
Ă inĂștil objectar que a personalidade dos seres parece, em geral, bastante estĂĄvel. Se ela nunca varia, com efeito, Ă© porque o meio social permanece mais ou menos constante. Se subitamente esse meio se modifica, como em tempo de revolução, a personalidade de um mesmo indivĂduo poderĂĄ transformar-se por completo. Foi assim que se viram, durante o Terror, bons burgueses reputados pela sua brandura tornarem-se fanĂĄticos sanguinĂĄrios. Passada a tormenta e, por conseguinte, representando o antigo meio e o seu impĂ©rio, eles readquiriram sua personalidade pacifica. Desenvolvi, hĂĄ muito tempo, essa teoria e mostrei que a vida dos personagens da Revolução era incompreensĂvel sem ela.
De que elementos se compĂ”e o âeuâ,
Textos sobre Superiores de Gustave Le Bon
6 resultadosMediocridade de EspĂrito
O nosso mĂĄximo esforço de independĂȘncia consiste em opor, por vezes, um pouco de resistĂȘncia Ă s sugestĂ”es quotidianas. A grande massa humana nenhuma resistĂȘncia opĂ”e e segue as crenças, as opiniĂ”es e os preconceitos do seu grupo. Ela obedece-lhe sem ter mais consciĂȘncia do que a folha seca arrastada pelo vento.
SĂł numa elite muito restrita se observa a faculdade de possuir, algumas vezes, opiniĂ”es pessoais. Todos os progressos da civilização procedem, evidentemente, desses espĂritos superiores, mas nĂŁo se pode desejar a sua multiplicação sucessiva. Inapta a adaptar-se imediatamente a progressos rĂĄpidos e profundos em demasia, uma sociedade tornar-se-ia logo anĂĄrquica. A estabilidade necessĂĄria Ă sua existĂȘncia Ă© precisamente estabelecida graças ao grupo compacto dos espĂritos lentos e medĂocres, governados por influĂȘncias de tradiçÔes e de meio.
Ă, portanto, Ăștil para uma sociedade que ela se componha de uma maioria de homens mĂ©dios, desejosos de agir como toda a gente, que tĂȘm por guias as opiniĂ”es e as crenças gerais. Ă muito Ăștil tambĂ©m que as opiniĂ”es gerais sejam pouco tolerantes, pois o medo do juĂzo alheio constitui uma das bases mais seguras da nossa moral.
A mediocridade de espĂrito pode, pois, ser benĂ©fica para um povo,
OpiniÔes Influenciadas pelo Interesse
A maior parte das coisas pode ser considerada sob pontos de vista muito diferentes: interesse geral ou interesse particular, principalmente. A nossa atenção, naturalmente concentrada sob o aspecto que nos Ă© proveitoso, impede que vejamos os outros. O interesse possui, como a paixĂŁo, o poder de transformar em verdade aquilo em que lhe Ă© Ăștil acreditar. Ele Ă©, pois, freqĂŒentemente, mais Ăștil do que a razĂŁo, mesmo em questĂ”es em que esta deveria ser, aparentemente, o guia Ășnico. Em economia polĂtica, por exemplo, as convicçÔes sĂŁo de tal modo inspiradas pelo interesse pessoal que se pode, em geral, saber prĂ©viamente, conforme a profissĂŁo de um indivĂduo, se ele Ă© partidĂĄrio ou nĂŁo do livre cĂąmbio.
As variaçÔes de opiniĂŁo obedecem, naturalmente, Ă s variaçÔes do interesse. Em matĂ©ria polĂtica, o interesse pessoal constitui o principal factor. Um indivĂduo que, em certo momento, energicamente combateu o imposto sobre a renda, com a mesma energia o defenderĂĄ mais, se conta ser ministro. Os socialistas enriquecidos acabam, em geral, conservadores, e os descontentes de um partido qualquer se transformam facilmente em socialistas.
O interesse, sob todas as suas formas, não é somente gerador de opiniÔes. Aguçado por necessidades muito intensas, ele enfraquece logo a moralidade.
A Tirania Individual e a Tirania Colectiva
As divergĂȘncias de opiniĂŁo nĂŁo resultam, como por vezes supomos, das desigualdades de instrução daqueles que as manifestam. Elas notam-se, com efeito, em indivĂduos dotados de inteligĂȘncia e de instrução equivalentes. Disso se convencerĂĄ quem percorrer as respostas aos grandes inquĂ©ritos colectivos destinados a elucidar certas questĂ”es bem definidas.
Entre os inĂșmeros exemplos fornecidos pela leitura das suas actas, mencionarei apenas um, muito tĂpico, publicado nos Anais de Psicologia do sr. Binet. Querendo informar-se quanto aos efeitos da redução do programa de histĂłria da filosofia nos liceus, enviou um questionĂĄrio a todos os professores incumbidos desse ensino. As respostas foram nitidamente contraditĂłrias, pois uns declaravam desastroso o que os outros julgavam excelente. «NĂŁo se compreende», conclui o Sr. Binet com melancolia, «que uma reforma que consterna um professor, pareça excelente a um dos seus colegas. Que lição para eles sobre a relatividade das opiniĂ”es humanas, mesmo entre pessoas competentes!».
ContradiçÔes da mesma espécie invariavelmente se manifestaram em todos os assuntos e em todos os tempos. Para chegar à acção, o homem teve, entretanto, de escolher entre essas opiniÔes contrårias. Como operar tal escolha, sendo a razão muito fraca para a determinar?
Somente dois mĂ©todos foram descobertos atĂ© hoje: aceitar a opiniĂŁo da maioria ou a de um Ășnico,
O PrestĂgio Ă© Sempre Enganador
Tendo a generalidade das opiniĂ”es que a educação nos inculca, unicamente a educação por base, facilmente nos habituamos a admitir, com prontidĂŁo, um conceito defendido por um personagem aureolado de prestĂgio.
Sobre os assuntos tĂ©cnicos da nossa profissĂŁo, somos capazes de formular conceitos muito seguros; mas, no tocante ao resto, nĂŁo procuramos sequer raciocinar, preferindo admitir, com os olhos fechados, as opiniĂ”es que nos sĂŁo impostas por um personagem ou um grupo dotado de prestĂgio.
De facto, quer se seja estadista, artista, escritor ou sĂĄbio, o destino depende, sobretudo, da quantidade de prestĂgio que se possui e, por conseguinte, do grau de sugestĂŁo inconsciente que se pode criar. O que determina o ĂȘxito de um homem Ă© a dominação mental que ele exerce. O completo imbecil, entretanto, alcança ĂȘxito, algumas vezes, porquanto, nĂŁo tendo consciĂȘncia da sua imbecilidade, jamais hesita em afirmar com autoridade. Ora, a afirmação enĂ©rgica e repetida possui prestĂgio. O mais vulgar dos «camelos», quando energicamente afirma a imaginĂĄria superioridade de um produto, exerce prestĂgio na multidĂŁo que o circunda.
(…) Mesmo entre sĂĄbios eminentes, o prestĂgio Ă©, muitas vezes, um dos factores mais certos de uma convicção. Para os espĂritos ordinĂĄrios, ele o Ă© sempre.
A InfluĂȘncia dos Livros e dos Jornais
Os jornais e os livros exercem no nascimento e na propagação das opiniĂ”es uma influĂȘncia imensa, conquanto inferior Ă dos discursos. Os livros actuam muito menos que os jornais, pois a multidĂŁo nĂŁo os lĂȘ. Alguns foram, contudo, bastante poderosos pela sua influĂȘncia sugestiva para provocar a morte de milhares de homens. Tais sĂŁo as obras de Rousseau, verdadeira bĂblia dos chefes do Terror, ou A Cabana do Pai TomĂĄs, que contribuiu muito para a sanguinolenta guerra de secessĂŁo na AmĂ©rica do Norte. Outras obras como Robinson CrusĂłe e os romances de JĂșlio Verne exerceram grande influĂȘncia nas opiniĂ”es da juventude e determinaram muitas carreiras.
Essa força dos livros era, sobretudo, considerĂĄvel quando se lia pouco. A leitura da BĂblia no tempo de Cromwel criou na Inglaterra um nĂșmero avultado de fanĂĄticos. Sabe-se que na Ă©poca em que foi escrito Dom Quixote, os romances de cavalaria exerciam uma acção tĂŁo perniciosa em todos os cĂ©rebros que os soberanos espanhĂłis vedaram, finalmente, a venda desses livros.
Hoje, a influĂȘncia dos jornais Ă© muito superior Ă força dos livros. SĂŁo em nĂșmero incalculĂĄvel as pessoas que tĂȘm unicamente a opiniĂŁo do jornal que elas lĂȘem.