A Subfelicidade
O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.
O que mais dĂłi Ă© a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que nĂŁo se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade nĂŁo magoa – vai magoando; a subfelicidade nĂŁo martiriza – vai martirizando. NĂŁo Ă© intensa – mas Ă© imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silĂŞncio, em surdina, em anonimato. Como se nĂŁo fosse. Mas Ă©: a subfelicidade Ă©. A subfelicidade faz-te ficar refĂ©m do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que nĂŁo tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre Ă mĂŁo de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade Ă© o piso -1 da felicidade. E nĂŁo há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daĂ.
Textos sobre Tamanhos de Pedro Chagas Freitas
4 resultadosO Drama de Amar
O drama de amar é não haver sucedâneos.
E tudo o resto sabe a merda. Porque houve o teu abraço, porque existe o teu cheiro. Amei-te para sempre mesmo que já nĂŁo te ame. Ficou em mim a tarde em que pela primeira vez o nosso corpo (o teu arfar a mostrar-me que lĂngua se fala no cÄ—u, a tua boca a mostrar-me o tamanho de um beijo), e a partir daĂ fiquei ĂłrfĂŁo de um corpo sempre que nĂŁo fosse o teu corpo. E quando chegou o dia da despedida eu soube que tinha chegado o dia de para sempre.
O drama de amar Ă© nĂŁo admitir a morte.
Há uma mulher a mais sempre que amo um corpo que não é o teu. E um homem a menos. Deito-me, aperto, espremo (o encaixe perfeito das tuas costas nos meus braços, o cheiro dos teus lábios no suor do meu pescoço). E até um orgasmo comprova a hipocrisia da carne. Despedi-me de orgasmos quando me despedi de ti. Já me deitei com tantas e é sempre o teu boa-noite que me adormece.
O drama de amar é só criar réplicas.
Tudo o que amo Ă©s tu.
Aperta-me para Sempre
O dia adormece-me debaixo dos olhos, e as tuas mãos são a pele que Deus escolheu para tocar o mundo; não existe nenhum lugar mais divino do que o teu beijo, e quando quero voar deito-me a teus pés.
Peço-te que nĂŁo vás, que fiques apenas para eu ficar, que permaneças no teu lado da cama, e eu no meu, a sentirmos que o tempo corre, e podes atĂ© adormecer, podes ler a revista das mulheres das passadeiras vermelhas e os homens com os abdominais que ninguĂ©m tem, ou simplesmente olhar o tecto e pensar em ti; eu fico aqui, a olhar-te para saber que existo, a pensar no quanto te quero e no tamanho que tem o teu corpo dentro do meu. Saber que há a curva das tuas costas para encontrar a curva da vida, percorrer com os olhos o cair do teu suor, e perceber a eternidade possĂvel.
A imortalidade Ă© um orgasmo contigo.
Gemes atĂ© ao fim do mundo por dentro dos meus ouvidos, todo o meu corpo se vem quando estás a chegar, e a verdade do universo Ă© a fĂsica exĂgua do espaço entre nĂłs. Aperta-me para sempre atĂ© ao princĂpio dos ossos,
No Teu Colo
No teu colo cabem todos os meus medos.
E se Deus existir, Ă© a calma do teus ombros, o sossego divino que vai do teu pescoço ao teu peito. E eu ali, tĂŁo pequeno que nem meço os centĂmetros que tenho, e ainda assim tĂŁo grande que nem o cĂ©u teria espaço para me guardar assim. Somos criaturas para alĂ©m do mundo, pares Ăşnicos de uma viagem que nem o final dos corpos conseguirá parar.
Até o pior da vida se acalma quando estou nos teus olhos.
Há pessoas más, mãe. Pessoas que não imaginam o que é resistir por dentro deste corpo, por trás destes ossos, sob os escombros de uma idade por descobrir. Há pessoas que não sabem que sou uma criança com medo como todas as crianças (uma pessoa com medo como todas as pessoas: os adultos também têm medo, não têm, mãe?, toda a gente tem medo, não tem, mãe?), e ontem um adulto disse-me para crescer e aparecer, e uma criança menos criança do que eu agarrou-me pelos cabelos e atirou-me ao chão, a escola toda a olhar e a rir, e o adulto a dizer «cresce e aparece» e a criança a dizer «toma lá que é para aprenderes».