O Deserto num Mundo Abastado
TenderĂamos ilusoriamente a crer que uma vida nascida num mundo abastado seria melhor, mais vida e de superior qualidade Ă que consiste, precisamente, em lutar com a escassez. Mas nĂŁo Ă© verdade. Por razões muito rigorosas e arquifundamentais que agora nĂŁo Ă© oportuno enunciar. Agora, em vez dessas razões, basta recordar o facto sempre repetido que constitui a tragĂ©dia de toda a aristocracia hereditária. O aristocrata herda, quer dizer, encontra atribuĂdas Ă sua pessoa umas condições de vida que ele nĂŁo criou, portanto, que nĂŁo se produzem organicamente unidas Ă sua vida pessoal e prĂłpria. Acha-se ao nascer instalado, de repente e sem saber como, no meio da sua riqueza e das suas prerrogativas. Ele nĂŁo tem, intimamente, nada que ver com elas, porque nĂŁo vĂŞm dele. SĂŁo a carapaça gigantesca de outra pessoa, de outro ser vivente, seu antepassado. E tem de viver como herdeiro, isto Ă©, tem de usar a carapaça de outra vida. Em que ficamos? Que vida vai viver o «aristocrata» de herança, a sua ou a do prĂłcer inicial? Nem uma nem outra. Está condenado a representar o outro, portanto, a nĂŁo ser nem o outro nem ele mesmo.
A sua vida perde inexoravelmente autenticidade,
Textos sobre Tragédia de José Ortega y Gasset
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