A Escrita Exige Sempre a Poesia
Sou escritor e cientista. Vejo as duas actividades, a escrita e a ciência, como sendo vizinhas e complementares. A ciência vive da inquietação, do desejo de conhecer para além dos limites. A escrita é uma falsa quietude, a capacidade de sentir sem limites. Ambas resultam da recusa das fronteiras, ambas são um passo sonhado para lá do horizonte. A Biologia para mim não é apenas uma disciplina científica mas uma história de encantar, a história da mais antiga epopeia que é a Vida. É isso que eu peço à ciência: que me faça apaixonar. É o mesmo que eu peço à literatura.
Muitas vezes jovens me perguntam como se redige uma peça literária. A pergunta não deixa de ter sentido. Mas o que deveria ser questionado era como se mantém uma relação com o mundo que passe pela escrita literária. Como se sente para que os outros se representem em nós por via de uma história? Na verdade, a escrita não é uma técnica e não se constrói um poema ou um conto como se faz uma operação aritmética. A escrita exige sempre a poesia. E a poesia é um outro modo de pensar que está para além da lógica que a escola e o mundo moderno nos ensinam.
Textos sobre Universo de Mia Couto
2 resultados Textos de universo de Mia Couto. Leia este e outros textos de Mia Couto em Poetris.
Não Sabemos Ler o Mundo
Falamos em ler e pensamos apenas nos livros, nos textos escritos. O senso comum diz que lemos apenas palavras. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar. Queixamo-nos de que as pessoas não lêem livros. Mas o deficit de leitura é muito mais geral. Não sabemos ler o mundo, não lemos os outros.
Vale a pena ler livros ou ler a Vida quando o acto de ler nos converte num sujeito de uma narrativa, isto é, quando nos tornamos personagens.