A Poesia
… Quantas obras de arte… Já nĂŁo cabem no mundo… Temos de as pendurar fora dos quartos… Quantos livros… Quantos livrecos… Quem será capaz de os ler?… Se fossem comestĂveis… Se numa panela de grande calado os fizĂ©ssemos em salada, os picássemos, os alinhássemos… Já nĂŁo se pode mais… Estamos atĂ© ao pescoço… O mundo afoga-se na maré… Reverdy dizia-me: «Avisei o correio para que nĂŁo me trouxesse mais livros… NĂŁo poderia abri-los. NĂŁo tenho espaço. Trepam pelas paredes, temi uma catástrofe, ruiriam em cima da minha cabeça»… Todos conhecem Eliot… Antes de ser pintor, de dirigir teatros, de escrever luminosas crĂticas, lia os meus versos… Sentia-me lisonjeado… NinguĂ©m os compreendia melhor… AtĂ© que um dia começou a ler-me os seus e eu, egoisticamente, corri a protestar: «NĂŁo mos leia, nĂŁo mos leia»… Fechei-me no quarto de banho, mas Eliot, atravĂ©s da porta, lia-mos… Fiquei muito triste… O poeta Frazer, da EscĂłcia, estava presente… Increpou-me: «Porque tratas assim Eliot?»… Respondi: «NĂŁo quero perder o meu leitor. Cultivei-o. Conhece atĂ© as rugas da minha poesia… Tem tanto talento… Pode fazer quadros… Pode escrever ensaios… Mas eu quero manter este leitor, conservá-lo, regá-lo como planta exĂłtica… Compreendes-me, Frazer?»… Porque a verdade, se isto continua,
Textos sobre Vales de Pablo Neruda
2 resultadosA Minha Poesia
A minha poesia e a minha vida fluĂram como um rio americano, como uma torrente de águas do Chile, nascidas na intimidade profunda das montanhas austrais e dirigindo sem cessar para uma saĂda marĂtima o movimento do caudal. A minha poesia nĂŁo rejeitou nada do que pĂ´de transportar nas suas águas. Aceitou a paixĂŁo, desenvolveu o mistĂ©rio, abriu passagem nos corações do povo.
Coube-me sofrer e lutar, amar e cantar. Tocaram-me na partilha do mundo o triunfo e a derrota, provei o gosto do pĂŁo e do sangue. Que mais quer um poeta? Todas as alternativas, do pranto atĂ© aos beijos, da solidĂŁo atĂ© ao povo, estĂŁo vivas na minha poesia, reagem nela, porque vivi para a minha poesia e porque a poesia sustentou as minhas lutas. E se muitos prĂ©mios alcancei, prĂ©mios fugazes como borboletas de pĂłlen evasivo, alcancei um prĂ©mio maior, um prĂ©mio que muitos desdenham, mas que, na realidade, Ă© para muitos inatingĂvel.
Consegui chegar, através de uma dura lição de estética e rebusca, através dos labirintos da palavra escrita, à altura de poeta do meu povo. O meu prémio maior é esse — não os livros e os poemas traduzidos, não os livros escritos para descreverem ou dissecarem as palavras dos meus livros.