O Homem Certo
Hoje, numa época em que se misturam todos os discursos, em que profetas e charlatães usam as mesmas fórmulas com mínimas diferenças, cujo percurso nenhum homem ocupado tem tempo de seguir, num tempo em que as redacções dos jornais são constantemente incomodadas por gente que acha que é um génio, é muito difícil ajuizar do valor de um homem ou de uma ideia. Temos de nos deixar guiar pelo ouvido para podermos perceber se os rumores, os sussurros e o raspar de pés diante da porta da redacção são suficientemente fortes para poderem ser admitidos como voz da polis. A partir desse momento, porém, o génio passa a outra condição. Deixa de ser matéria fútil da crítica literária ou teatral, cujas contradições os leitores que qualquer jornal deseja ter levam tão pouco a sério como a tagarelice de uma criança, para aceder ao estatuto de factos concretos, com todas as consequências que isso tem.
Certos fanáticos insensatos ignoram a necessidade desesperada de idealismo que se esconde por detrás de tal situação. O mundo dos que escrevem porque têm de escrever está cheio de grandes palavras e conceitos que perderam a substância. Os atributos dos grandes homens e das grandes causas sobrevivem ao que quer que seja que lhes deu origem,
Textos sobre Valor
285 resultadosA Fragilidade dos Valores
Todas as coisas «boas» foram noutro tempo más; todo o pecado original veio a ser virtude original. O casamento, por exemplo, era tido como um atentado contra a sociedade e pagava-se uma multa, por ter tido a imprudência de se apropriar de uma mulher (ainda hoje no Cambodja o sacerdote, guarda dos velhos costumes, conserva o jus primae noctis). Os sentimentos doces, benévolos, conciliadores, compassivos, mais tarde vieram a ser os «valores por excelência»; por muito tempo se atraiu o desprezo e se envergonhava cada qual da brandura, como agora da dureza.
A submissão ao direito: oh! que revolução de consciência em todas as raças aristocráticas quando tiveram de renunciar à vingança para se submeterem ao direito! O «direito» foi por muito tempo um vetitum, uma inovação, um crime; foi instituído com violência e opróbio.
Cada passo que o homem deu sobre a Terra custou-lhe muitos suplícios intelectuais e corporais; tudo passou adiante e atrasou todo o movimento, em troca teve inumeráveis mártires; por estranho que isto hoje nos pareça, já o demonstrei na Aurora, aforismo 18: «Nada custou mais caro do que esta migalha de razão e de liberdade, que hoje nos envaidece». Esta mesma vaidade nos impede de considerar os períodos imensos da «moralização dos costumes» que precederam a história capital e foram a verdadeira história,
Ah, a Moral!
Ah, a palavra «moral»! Sempre que aparece, penso nos crimes que foram cometidos em seu nome. As confusões que este termo engendrou abarcam quase toda a história das perseguições movidas pelo homem ao seu semelhante. Para além do facto de não existir apenas uma moral, mas muitas, é evidente que em todos os países, seja qual for a moral dominante, há uma moral para o tempo de paz e uma moral para a guerra. Em tempo de guerra tudo é permitido, tudo é perdoado. Ou seja, tudo o que de abominável e infame o lado vencedor praticou. Os vencidos, que servem sempre de bode expiatório, «não têm moral».
Pensar-se-á que, se realmente glorificássemos a vida e não a morte, se déssemos valor à criação e não à destruição, se acreditássemos na fecundidade e não na impotência, a tarefa suprema em que nos empenharíamos seria a da eliminação da guerra. Pensar-se-á que, fartos de carnificina, os homens se voltariam contra os assassinos, ou seja, os homens que planeiam a guerra, os homens que decidem das modalidades da arte da guerra, os homens que dirigem a indústria de material de guerra, material que hoje se tornou indescrivelmente diabólico. Digo «assassinos», porque em última análise esses homens não são outra coisa.
Pensamentos não Acabados
Tal como não só a idade viril, mas também a juventude e a infância têm um valor em si e não devem de modo algum ser consideradas somentes como passagens e pontes, assim também os pensamentos não acabados têm o seu valor. Não se deve por isso, atormentar um poeta com uma subtil interpretação e divertir-se com a incerteza do seu horizonte, como se o caminho para vários pensamentos ainda estivesse aberto. Está-se no limiar; espera-se como no desenterramento de um tesouro: é como se devesse estar iminente um feliz achado de pensamento profundo. O poeta antecipa qualquer coisa do prazer que o pensador tem, ao encontrar uma ideia fundamental, e, com isso, torna-nos cobiçosos, de modo que nós tentamos apanhá-la; esta, porém, passa, esvoaçando, sobre a nossa cabeça e mostra as mais belas asas de borboleta… e, contudo, escapa-nos.
O Esforço pelo Conhecimento da Verdade
Devemos escolher como finalidade independente do nosso esforço o conhecimento da verdade ou, exprimindo-nos mais modestamente, a compreensão do mundo inteligível por meio do pensamento lógico? Ou devemos subordinar esse esforço pelo conhecimento racional de qualquer espécie a outros objectivos, por exemplo, a objectivos práticos? O simples pensamento não pode resolver esta questão. A decisão tem, pelo contrário, uma influência decisiva na nossa maneira de pensar e julgar, partindo-se do princípio de que tem o carácter de convicção inabalável. Permitam-me que confesse: para mim, o esforço pelo conhecimento é um daqueles objectivos independentes, sem os quais uma afirmação consciente da vida me parece impossível ao homem de pensamento.
Uma das características do esforço pelo conhecimento é que ele tende a abranger tanto a multiplicidade da experiência como a simplicidade e redução das hipóteses fundamentais. O acordo final desses objectivos é, devido ao estádio primitivo da investigação, uma questão de fé. Sem essa fé, a convicção do valor independente do conhecimento não seria para mim forte e inabalável.
Esta atitude, por assim dizer, religiosa do cientista perante a verdade não deixa de ter influência sobre a sua personalidade. Pois, além daquilo que resulta da experiência e além das leis do pensamento,
A Racionalidade Irracional
Eu digo muitas vezes que o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o instinto serve melhor os animais porque é conservador, defende a vida. Se um animal come outro, come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas de lutas terríveis entre animais, o leão que persegue a gazela e que a morde e que a mata e que a devora, parece que o nosso coração sensível dirá «que coisa tão cruel». Não: quem se comporta com crueldade é o homem, não é o animal, aquilo não é crueldade; o animal não tortura, é o homem que tortura. Então o que eu critico é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão disciplinadora, organizadora, mantenedora da vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que o ser humano se corrompe, com que se torna maligno.
Aquela ideia que temos da esperança nas crianças, nos meninos e nas meninas pequenas, a ideia de que são seres aparentemente maravilhosos, de olhares puros, relativamente a essa ideia eu digo: pois sim, é tudo muito bonito, são de facto muito simpáticos,
O Que Mais Contribui para a Felicidade
Já reconhecemos em geral que aquilo que somos contribui muito mais para a felicidade do que aquilo que temos ou representamos. Importa saber o que alguém é e, por conseguinte, o que tem em si mesmo, pois a sua individualidade acompanha-o sempre e por toda a parte, e tinge cada uma das suas vivências. Em todas as coisas e ocasiões, o indivíduo frui, em primeiro lugar, apenas a si mesmo. Isso já vale para os deleites físicos e muito mais para os intelectuais. Por isso, a expressão inglesa to enjoy one’s self é bastante acertada; com ela, dizemos, por exemplo, he enjoys himself at Paris, portanto, não «ele frui Paris», mas «ele frui a si em Paris». Entretanto, se a individualidade é de má qualidade, então todos os deleites são como vinhos deliciosos numa boca impregnada de fel.
Assim, tanto no bem quanto no mal, tirante os casos graves de infelicidade, importa menos saber o que ocorre e sucede a alguém na vida, do que a maneira como ele o sente, portanto, o tipo e o grau da sua susceptibilidade sob todos os aspectos. O que alguém é e tem em si mesmo, ou seja, a personalidade e o seu valor,
Rica Ignorância
A ignorância degrada as pessoas apenas quando associada à riqueza. O pobre é limitado pela sua pobreza e pela sua necessidade; as suas realizações substituem nele a instrução e ocupam os seus pensamentos. Em contrapartida, os ricos, que são ignorantes, vivem meramente para os seus prazeres e assemelham-se às bestas, como se pode ver todos os dias. Quanto a isso, acrescente-se ainda a exprobação de que a riqueza e o ócio não teriam sido desfrutados para aquilo que lhes confere o maior valor.
O Romancista e o Escritor
Releio o curto ensaio de Sartre O Que é Escrever?. Nem uma vez ele utiliza as palavras romance, romancista. Fala apenas do escritor da prosa. Distinção justa. O escritor tem ideias originais e uma voz inimitável. Pode servir-se de qualquer forma (romance incluído) e tudo o que escreve, já que marcado pelo seu pensamento, levado pela sua voz, faz parte da sua obra. Rouseau, Goethe, ChateauBriand, Gide, Malraux, Camus, Montherland.
O romancista não liga muito às suas ideias. É um descobridor que, tacteando, se esforça por desvendar um aspecto desconhecido da existência. Não está fascinado pela sua voz mas por uma forma que persegue, e só as formas que respondem às exigências do seu sonho fazem parte da sua obra. Fielding, Sterne, Flaubert, Proust, Faulkner, Céline, Calvino.
O escritor inscreve-se na carta espiritual do seu tempo, da sua nação, na da história das ideias. O único contexto em que se pode apreender o valor de um romance é o da história do romance europeu. O romancista não tem contas a prestar a ninguém, excepto a Cervantes.
Nunca Exagerar
Grande matéria de consideração é não falar por superlativos, seja para não se expor a ofender a verdade, seja para não desdourar a sua cordura. As exagerações são prodigalidades do estimar, que dão início de curteza de conhecimento e gosto. A louvação desperta viva curiosidade, pica o desejo, mas depois, não equivalendo o valor ao apreço, como de ordinário acontece, a expectativa volta-se contra o engano e desforra-se no menosprezo pelo celebrado e por quem celebrou. Anda, pois, o cordo bem devagar, e mais quer pecar pelo pouco que pelo muito. Raras são as eminências: modere-se a estimativa. O encarecer é parente do mentir, e nele se perde o crédito de bom gosto, que é grande, e o de douto, que é maior.
O Desejo como Consequência do Prazer e da Dor
O prazer e a dor suscitam o desejo. Desejo de alcançar o prazer e de evitar a dor. O desejo é o móbil principal da nossa vontade e, portanto, dos nossos atos. Do pólipo aos homens, todos os seres são movidos pelo desejo. Inspira a vontade, que não pode existir sem ele, e depende da sua intensidade. O desejo fraco suscita, naturalmente, uma vontade fraca.
Cumpre, no entanto, não confundir vontade e desejo, como fizeram muitos filósofos, tais como Condillac e Schopenhauer. Tudo quanto é querido é, evidentemente, desejado; mas desejamos muitas coisas que, sabemos, não podíamos querer. A vontade traduz deliberação, determinação e execução, estados de consciência que não se observam no desejo.
O desejo estabelece a escala dos nossos valores, variável, aliás, com o tempo e as raças. O ideal de cada povo é a fórmula do seu desejo.
Um desejo que invade todo o entendimento, transforma a nossa concepção das coisas, as nossas opiniões e as nossas crenças. Spinoza muito bem disse julgamos uma coisa boa, não por julgamento, mas porque a desejamos.Não existindo em si mesmo o valor das coisas, ele é apenas determinado pelo desejo e proporcionalmente à intensidade desse desejo.A variável apreciação dos objetos de arte fornece desse fato uma prova diária.
A Minha Família é a Minha Casa
A solidão absoluta é não ter ninguém a quem dizer um simples: “tenho vontade de chorar”. Não precisamos de muito para viver bem – para ser feliz basta uma família e pouco mais.
A família é a casa e a paz. O refúgio onde uma vontade de chorar não é motivo de julgamento, apenas e só uma necessidade súbita de… família. De um equilíbrio para o qual o outro é essencial… assim também se passa com a vontade de sorrir que, em família, se contagia apenas pelo olhar.
Nos dias de hoje vai sendo cada vez mais difícil encontrar gente capaz de ser família. Os egoísmos abundam e cultiva-se, sozinho, o individual. Como se não houvesse espaço para o amor. Dizem que amar é arriscado, que é coisa de loucos…
Todos temos sentimentos mais profundos. Cada um de nós é uma unidade, mas o que somos passa por sermos mais do que um. Parte de unidades maiores. Estamos com quem amamos e quem amamos também está, de alguma forma, connosco. O amor é o que existe entre nós e nos enlaça os sentimentos mais profundos. Onde uma vontade de chorar é um sinal de que há algo em mim que é maior do que eu…
A Destruição de Tudo
É a palavra de ordem para o homem de hoje. Destruir. Tudo. Os deuses, as artes, diferenças culturais, ou a só cultura, diferenças sexuais, diferenças literárias ou a só literatura que leva hoje tudo, valores de qualquer espécie, filosofias, o simples pensamento, a simples palavra – tudo alegremente ao caixote. Entretanto, ou por isso, proliferação das gentes com a forma que lhes pertence, devastação da sida, que foi o que de melhor a natureza arranjou para equilibrar a demografia, droga dura para se avançar na vida mais depressa, criminalidade para esse avanço, juventude de esgotos nocturnos, velhos em excesso e que não há maneira de se despacharem e atulham os chamados lares de idosos ou simplesmente os depósitos em que são largados até mudarem de cemitério, politiqueiros que têm a verdade do erro que se segue e o mais e o mais. É tempo de cair um pedregulho como o que acabou com os dinossauros há sessenta milhões de anos e de poder dar-se a hipótese de a vida recomeçar. Até que venha outra vez a destruição e Deus definitivamente se farte do brinquedo. Entretanto vê se vês ainda alguma flor ao natural e demora-te um pouco a admirar-lhe a beleza e estupidez.
O Espírito Desfaz a Ordem das Coisas
O espírito aprendeu que a beleza nos faz bons, maus, estúpidos ou sedutores. Disseca uma ovelha e um penitente e encontra em ambos humildade e paciência. Analisa uma substância e descobre que, tomada em grandes quantidades, pode ser um veneno, e em pequenas doses, um excitante. Sabe que a mucosa dos lábios tem afinidades com a do intestino, mas também sabe que a humildade desses lábios tem afinidades com a humildade de tudo o que é sagrado. O espírito desfaz a ordem das coisas, dissolve-as e volta a recompô-las de forma diferente. O bem e o mal, o que está em cima e o que está em baixo não são para ele noções de um relativismo céptico, mas termos de uma função, valores que dependem do contexto em que se encontram. Os séculos ensinaram-lhe que os vícios se podem transformar em virtudes e as virtudes em vícios, e conclui que, no essencial, só por inépcia se não consegue fazer de um criminoso um homem útil no tempo de uma vida. Não reconhece nada como lícito ou ilícito, porque tudo pode ter uma qualidade graças à qual um dia participará de um novo e grande sistema. Odeia secretamente como a morte tudo aquilo que se apresenta como se fosse definitivo,
A Maior Necessidade do Homem
A maior necessidade do homem é sentir que é necessário. Se no mundo não existir ninguém que precise de nós, cometeremos suicídio, não conseguiremos viver. É estranho – talvez nunca tenham pensado nisto, que estamos continuamente à procura de quem precise de nós. Isto faz de nós seres preciosos, dá-nos valor, um certo significado. Talvez as mulheres se casem com os homens apenas para preencher a necessidade de se sentir necessária. E a razão poderá ser igualmente válida para os homens, talvez desejem sentir que uma determinada mulher precisa deles.
Os homens tentaram impedir as mulheres de ganharem dinheiro, de trabalharem, de se instruírem e educarem. As explicações para isso são de ordem política, económica, entre outras, mas a razão psicológica reside no facto de os homens desejarem a dependência das mulheres para que elas nunca deixem de precisar deles e os façam sentirem-se bem por haver alguém que precisa deles. Juntos terão filhos e ambos se sentirão bem pelo facto de essas crianças precisarem deles: é um motivo para viver. Temos de viver pelo bem dessas crianças, temos de viver pelo bem da nossa mulher, temos de viver pelo bem do nosso marido: a vida deixa de ser algo desprovido de sentido.
O Orgulho de Ser Português
Aquelas qualidades que se revelaram e fixaram e fazem de nós o que somos e não outros; aquela doçura de sentimentos, aquela modéstia, aquele espírito de humanidade, tão raro hoje no mundo; aquela parte de espiritualidade que, mau grado tudo que a combate inspira ainda a vida portuguesa; o ânimo sofredor; a valentia sem alardes; a facilidade de adaptação e ao mesmo tempo a capacidade de imprimir no meio exterior os traços do modo de ser próprio; o apreço dos valores morais; a fé no direito, na justiça, na igualdade dos homens e dos povos; tudo isso, que não é material nem lucrativo, constitui traços do carácter nacional. Se por outro lado contemplamos a História maravilhosa deste pequeno povo, quase tão pobre hoje como antes de descobrir o mundo; as pegadas que deixou pela terra de novo conquistada ou descoberta; a beleza dos monumentos que ergueu; a língua e literatura que criou; a vastidão dos domínios onde continua, com exemplar fidelidade à sua História e carácter, alta missão civilizadora – concluiremos que Portugal vale bem o orgulho de se ser português.
A Desvantagem da Sabedoria
A sua inteligência estorvava-o. Que podia esperar da sabedoria e das suas cinco propriedades?
Primeiro, ele saberia como tratar os problemas difíceis ligados à conduta humana e ao sentido da vida. Mas isso não era prioritário para ninguém, iam achá-lo desalmado e pôr-lhe toda a espécie de obstáculos pela frente.
Segundo, a sabedoria exprime uma qualidade superior do conhecimento. Antecipa a avaliação das situações, por tudo e nada reanima a atenção dos outros com os seus conselhos. Depressa é tratada como importuna e terá que recuar ao abrigo da frivolidade.
Terceiro, a sabedoria é moderada e vê as coisas em profundidade. É, portanto, inimiga do juízo fácil e das paixões que são requestadas para dar emoção às existências fúteis e cinzentas.
Quarto, a sabedoria é exercida tendo em vista o bem-estar da humanidade. Tem, por isso, mau nome em qualquer publicidade que faz vender produtos de grande lucro, como a guerra, o amor e as máquinas.
Quinto, finalmente: a sabedoria é reconhecida como valor estável pela maioria da população, o que é nocivo para o envolvimento dessa mesma população em qualquer campanha, seja de poder ou de ganho de negócios.
Enfim, ele teria que formar-se e esquecer os seus sonhos de grandeza,
A Facilidade é Aborrecida em Tudo
O estimarem-se as coisas que não têm valor, é o mesmo que fazê-las estimáveis: o que se busca com ânsia, não é o que se dá, mas o que se nega; o que se permite aborrece, o que se recusa, atrai: o amor não tem seta mais aguda, que aquela que se armou de proibição; no tomar, parece que há mais gentileza, que no aceitar; a dificuldade incita: muitas coisas não têm outro merecimento, que o serem dificultosas; a resistência é o que move a vontade; tudo o que se concede, é sem sabor; a impugnação faz a coisa considerável, porque lhe dá um ar de empresa, e de vitória: os mais altos montes são os que se admiram, só porque custam a subir; a facilidade é aborrecida em tudo; o lustre do argumento vem da contradição.
O Cerne da Escrita e da Leitura
Não se é escritor por se ter preferido dizer certas coisas, mas por se ter preferido dizê-las duma certa maneira. E o estilo faz, evidentemente, o valor da prosa. Mas deve passar despercebido. Uma vez que as palavras são transparentes e que o olhar as atravessa, seria absurdo meter entre elas vidros despolidos. Aqui, a beleza é apenas uma força doce e insensível.
Num quadro, brilha antes de mais nada; num livro, esconde-se, age por persuasão como o encanto duma voz ou dum rosto, não obriga, faz curvar sem que se dê por isso e pensa-se ceder aos argumentos quando afinal se é solicitado por um encanto imperceptível. A cerimónia da missa não é a fé, ela dispõe a isso; a harmonia das palavras, a sua beleza, o equilíbrio das frases, dispõem as paixões do leitor sem que ele dê por isso, ordenam-nas como a missa, como a música, como uma dança; se acaba por as considerar em si mesmas, perde o sentido, apenas restam oscilações aborrecidas.
Portugal Está a Atravessar a Pior Crise
Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: – mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não – pelo menos o Estado não tem: – e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior – e sem cura.