A Convicção é Sempre Cega
O intelecto humano, quando assente numa convicção (ou por já bem aceite e acreditada porque o agrada), tudo arrasta para seu apoio e acordo. E ainda que em maior número, não observa a força das instâncias contrárias, despreza-as, ou, recorrendo a distinções, põe-nas de parte e rejeita, não sem grande e pernicioso prejuízo. Graças a isso, a autoridade daquelas primeiras afirmações permanece inviolada. E bem se houve aquele que, ante um quadro pendurado no templo, como ex-voto dos que se salvaram dos perigos de um naufrágio, instado a dizer se ainda se recusava a aí reconhecer a providência dos deuses, indagou por sua vez:«E onde estão pintados aqueles que, a despeito do seu voto, pereceram?» Essa é a base de praticamente toda a superstição, trate-se de astrologia, interpretação de sonhos, augúrios e que tais: encantados, os homens, com tal sorte de quimeras, marcam os eventos em que a predição se cumpre; quando falha – o que é bem mais frequente – negligenciam-nos e passam adiante.
Esse mal insinua-se de maneira muito mais subtil na filosofia e nas ciências. Nestas, o de início aceite tudo impregna e reduz o que se segue, até quando parece mais firme e aceitável. Mais ainda: mesmo não estando presentes essa complacência e falta de fundamento a que nos referimos,
Textos sobre Verdadeiros de Francis Bacon
4 resultadosSaber Estar em Sociedade
O homem que não tem mais do que o próprio valor necessita de ser excelente em grande número de virtudes, tal como a pedra que não é preciosa necessita de ser revestida de metal; mas comummente acontece com a reputação o mesmo que com o lucro, se é verdadeiro o provérbio que diz: que com leves ganhos se fazem pesadas bolsas, porque estes são frequentes, enquanto os grandes só chegam de vez em quando; assim, também é verdade que pequenas coisas ganham grande recomendação, porque são de uso e de observação corrente, enquanto a ocasião de manifestar grandes virtudes só é dada nos dias-santos. Para adquirir boas maneiras basta apenas não as desdenhar, porque, habituando-nos a observá-las nos outros, deixamos confiadamente operar em nós a imitação; pois se cuidarmos de as exprimir, perdem logo a sua graça, a qual é serem naturais e desafectadas. O comportamento de cada homem deve ser como um verso, no qual todas as sílabas são medidas. Como pode um homem ocupar-se de grandes assuntos, se quebra demasiado o seu espírito com mesquinhas observações? Não usar completamente de cerimónias é ensinar aos outros que não as usem também, e assim diminuir o respeito próprio; especialmente, não devem ser omitidas perante estrangeiros e pessoas desconhecidas.
O que Leva o Homem a Suspeitar Muito é o Saber Pouco
As suspeitas são entre os pensamentos o que os morcegos são entre os pássaros; voam sempre ao crepúsculo. Certamente, devem ser reprimidos, ou pelo menos bem vigiados, porque ofuscam o espírito. As suspeitas afastam-nos dos amigos e vão de encontro aos nossos negócios, que afastam do caminho normal e direito. As suspeitas impelem os reis à tirania, os maridos ao ciúme, os sábios à irresolução e à melancolia. São fraquezas não do coração, mas do cérebro, porque se alojam nos carácteres mais intrépidos, como no exemplo de Henrique VII de Inglaterra, que, entre os homens, foi também o mais suspeitoso e também o mais intrépido. As suspeitas fazem muito mal a estes homens. Nas outras pessoas, as suspeitas só são admitidas depois de exame à sua verosimilhança, mas nas pessoas timoratas elas rapidamente adquirem fundamento. O que leva o homem a suspeitar muito é o saber pouco; por isso os homens deveriam dar remédio às suspeitas procurando saber mais, em vez de se deixarem sufocar por elas.
Que querem eles? Pensarão talvez que são santas as pessoas que empregam e com quem tratam? Que elas não pensam em atingir os seus fins, e que serão mais leais para com os outros do que para consigo próprias?
Uma Boa Conversa
Há homens que, nas suas conversas, mais desejam dominar pela habilidade de sustentar todos os argumentos do que pelo juízo, discernindo o que é verdadeiro do que o não é; como se houvesse mérito em saber o que pode ser dito e não o que deveria ser pensado. Alguns têm certos lugares comuns e temas particulares em que brilham, mas falta-lhes variedade; espécie de pobreza que é geralmente aborrecida e, quando descoberta, ridícula. A parte mais honrosa da conversa consiste em propor novo assunto, e, a seguir, consiste em moderá-lo para que se transite para outro, como quem dirige o baile. É bom no decurso ou nas alterações da conversa, variar e mesclar com tópicos gerais o assunto principal; com discussões e narrativas; com referência a opiniões as respostas e perguntas; com o jocoso e o sério; porque é insensato cansar, ou, como agora se diz, esgotar o assunto na conversa.