Os ExcluĂdos
Quem comete um erro Ă© excluĂdo; Ă© fechado dentro de uma caixa. Quem está fora vĂŞ apenas a caixa. Mas quem está fechado, excluĂdo, consegue ver cá para fora. VĂŞ tudo, vĂŞ-nos a todos.
Em cada compartimento há dezenas de caixas. Milhares de caixas por todo o lado. A maior parte delas vazia. Outras tĂŞm lá dentro pessoas excluĂdas. NinguĂ©m sabe quais as caixas que tĂŞm pessoas.
As caixas são tantas que ninguém lhes dá importância. Pode estar lá uma pessoa, até a que amas, mas nem olhas. Já não produzem efeito. Passas por elas centenas de vezes.Gonçalo M.
Textos sobre Vez de Gonçalo M. Tavares
3 resultadosNão se Consegue ser Exterior à Nossa Própria Indiferença
A dificuldade da existência estava precisamente neste problema concreto: por diversas vezes Walser se vira, ao longe, alegre, e também de longe observara a sua própria tristeza ou irritação. Nada de mais. Mas o que nunca conseguira era ser exterior à indiferença; ser exterior a si nos momentos, inúmeros, em que se encontrava neutro face às coisas, inerte e em estado de espera perante a possibilidade de um acto ou do seu contrário. Quanto mais intensidade existia no corpo, mais fácil era afastar-se, ser testemunha de si próprio. As dificuldades de observação privilegiada, de uma existência que lhe pertencia, surgiam assim, de um modo extremo, quando a intensidade dos sentimentos era quase nula. Se ele já lá não estava – na existência – como se poderia ainda afastar mais?
Mas o que era concretamente este lá, este outro sĂtio que por vezes parecia ser o seu centro outras vezes o seu oposto? Sobre a localização geral desse lá, Walser nĂŁo tinha dĂşvidas: era o cĂ©rebro. Era ali que tudo se passava ou que tudo o que se passava era observado. Ali fazia, e ali via-se a fazer. Como qualquer louco normal, pensou Walser, e sorriu da fĂłrmula.
Gonçalo M.
A Papelada para uma Pessoa Estar Viva
Perguntamos a uma pessoa de 60, 70 anos o que fez para não ter feito as coisas que achava essenciais aos 20 anos, e a pessoa provavelmente diz: não me lembro. Se calhar esteve a pagar contas de electricidade. É uma coisa assustadora, a papelada para uma pessoa estar viva. Apetecia-me muitas vezes dizer: não me chateiem, quero só estar vivo.
Gonçalo M.