Textos sobre Vez

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Textos de vez escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Cada Indivíduo é Único

A vida é, intrinsecamente, uma tremenda aceitação inconsciente. Aceitou totalmente os seus olhos? Aceitou totalmente o seu corpo? Aceitou totalmente a vida que leva? Esta ideia de aceitação total que nos é imposta torna-nos infelizes, porque está continuamente a fazer comparações. Há sempre alguém que tem uns olhos mais bonitos, um corpo mais forte e que possui mais conhecimentos. E a pessoa sente-se sempre inferior e esta inferioridade vai-nos corroendo o coração. Tornamo-nos cada vez mais infelizes, mas o motivo foi criado desnecessariamente por nós. Não há necessidade de nos compararmos com os outros, porque não existe ninguém com quem nos possamos comparar.
Cada indivíduo é único. E seja o que for, é dessa maneira que a existência quer que esse indivíduo seja. Desfrute disso.
Substitua a palavra «aceitação», porque não é uma palavra muito feliz. Aceitação é uma coisa que tem de se fazer, não há alternativa. Há pessoas mais bonitas, há pessoas mais ricas, há pessoas mais fortes. E o que é que podemos fazer? Aceitar.
Eu não ensino a aceitação desta maneira. A minha ideia de aceitação é completamente diferente da de todas as religiões.
Eu proclamo a sua unicidade.
Cada um de nós é apenas aquela pessoa particular e não existe ninguém –

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Lembrar ou Recordar

A recordação não tem apenas que ser exacta; tem que ser também feliz; é preciso que o aroma do vivido esteja preservado, antes de selar-se a garrafa da recordação. Tal como a uva não deve ser pisada em qualquer altura, tal como o tempo que faz no momento de esmagá-la tem grande influência no vinho, também o que foi vivido não está em qualquer momento ou em qualquer circunstância pronto para ser recordado ou pronto para dar entrada na interioridade da recordação.
Recordar não é de modo algum o mesmo que lembrar. Por exemplo, alguém pode lembrar-se muito bem de um acontecimento, até ao mais ínfimo pormenor, sem contudo dele ter propriamente recordação. A memória é apenas uma condição transitória. Por intermédio da memória o vivido apresenta-se à consagração da recordação.
A diferença é reconhecível logo nas diferentes idades da vida. O ancião perde a memória, que aliás é a primeira capacidade a perder-se. Contudo, o ancião tem em si algo de poético; de acordo com a representação popular ele é profeta, é divinamente inspirado. A recordação é afinal também a sua melhor força, a sua consolação: consola-o com esse alcance da visão poética.
A infância, pelo contrário,

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Os Dias Ricos

É bom ter um dia complicado se formos nós a complicá-lo, à medida que vamos andando. São os dias ricos. Nunca sabemos o que vamos fazer a seguir mas fazemos sempre qualquer coisa a seguir, para não interromper a cadeia.

Em vez de jantarmos em casa ou jantarmos fora, entramos num restaurante onde costumamos jantar e comemos apenas um petisco, um aperitivo. Os anfitriões também apreciam a mudança. É como ir cumprimentá-los.

Metemos conversa com um casal que só nos parece japonês porque queremos que seja, para lhes perguntar como preparam a massa Shirataki, que tem zero calorias. Perguntamos de onde são? Da Holanda, respondem. Os preconceitos, no sentido de pré-juízos ou pensamentos já feitos (na verdade, substitutos e obstáculos do conhecimento), são cada vez mais inúteis.

Os hábitos são diferentes. Para celebrá-los, nem é preciso esquecê-los ou trocá-los por alternativas, felizes ou desagradáveis. O melhor é interrompê-los e acrescentar-lhes desvios espontaneamente decididos que enaltecem, através da diversão, a felicidade subjacente.

Os dias ricos levam outro dia inteiro a contar. Só fazer a lista do que se fez cansa tão bem como nadar um quilómetro, devagarinho, num oceano vivo que nos consente.

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A Vida em Pleno

Diariamente criticamos o destino: “Porque foi este homem arrebatado a meio da carreira? E aquele, porque não morre, em vez de prolongar uma velhice tão penosa para ele como para os outros?” Diz-me cá, por favor: o que achas tu mais justo, seres tu a obedecer à natureza ou a natureza a ti? Que diferença faz sair mais ou menos depressa de um sítio de onde temos mesmo de sair? Não nos devemos preocupar em viver muito, mas sim em viver plenamente; viver muito depende do destino, viver plenamente, da nossa própria alma. Uma vida plena é longa quanto basta; e será plena se a alma se apropria do bem que lhe é próprio e se apenas a si reconhece poder sobre si mesma. Que interessa os oitenta anos daquele homem passados na inacção? Ele não viveu, demorou-se nesta vida; não morreu tarde, levou foi muito tempo a morrer! “Viveu oitenta anos!”. O que importa é ver a partir de que data ele começou a morrer. “Mas aquele outro morreu na força da vida”. É certo, mas cumpriu os deveres de um bom cidadão, de um bom amigo, de um bom filho, sem descurar o mínimo pormenor; embora o seu tempo de vida ficasse incompleto,

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O Caminho da Salvação

A cegueira e a obstinação dos homens lembra-me às vezes a cegueira e a obstinação das varejeiras enfrenizadas contra as vidraças. Bastava um momento de serenidade, dez-réis de bom senso, e em qualquer fresta estava a liberdade. Mas o demónio da mosca, quanto mais a impossibilidade se lhe põe diante, mais teima. O resultado é cair morta no peitoril.
Não se pode fazer ideia da maravilha de criança que era a filha de um poeta de meia tigela que hoje me lia versos impossíveis, a empurrá-la enfastiado com a mão esquerda, quando ela graciosamente o interrompia. A canção enluarada, a quadra perfeita, o soneto verdadeiro que justificavam aquele homem estavam ali, a brilhar nos olhos da pequenita; e o desgraçado às turras à janela, a zumbir e a magoar-se, sem ver que tinha diante de si o verdadeiro caminho da salvação!

Ao Longo da Escrita deste Livro

No ano passado, em outubro, talvez a 27, sei que foi a uma terça-feira, a minha mãe incentivou-me a dar um passeio. Há muito que desistiu de me dissuadir dos livros, tanto lês que treslês, mas mantém o hábito de, cuidadosa, depois de bater à porta com pouca força, entrar no meu quarto e perguntar: não te apetece dar um passeio? Na maioria das vezes, não tenho disposição para lhe responder mas, nessa tarde, estava a meio de um capítulo altruísta e decidi fazer-lhe a vontade. O volante do carro, as minhas mãos a sentirem todas as pedras quase como se estivesse a deslizá-las na estrada. Estacionei no campo, a pouca distância de um grupo de homens e mulheres, botas de borracha, que estavam a apanhar azeitona. Espalhavam uma gritaria animada que não se alterou quando saí do carro e me aproximei, boa tarde. Uma vantagem do meu nome é que dispenso alcunha. Olha o Livro, boa tarde. O sol estava a pôr-se. Troquei graças, enquanto dois homens recolheram os panões carregados debaixo da última oliveira e os levaram às costas.
Não esqueço o que vi a seguir. As mulheres dobraram os panões vazios e dispuseram-nos na terra, em forma de corredor.

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Viver pelo Outro

Melhor do que qualquer outro animal sociável, o homem tende cada vez mais a uma unidade realmente altruísta, menos fácil de realizar do que a unidade egoísta, embora muito superior em plenitude e em estabilidade.
(…) Toda a educação humana deve preparar todos para viverem pelo outro a fim de reviverem no outro.
(…) O ser deve-se subordinar a uma existência exterior a fim de nela encontrar a origem da sua própria estabilidade. Ora, essa condição só se pode realizar satisfatoriamente sob o domínio das inclinações que dispõem cada um a viver sobretudo pelo outro.

A Força do Preconceito

Nós em teoria compreendemos as pessoas, mas na prática não as suportamos, pensei, na maior parte das vezes só a contragosto lidamos com elas, e tratamo-las sempre de acordo com o nosso próprio ponto de vista. Não deveríamos no entanto considerar e tratar as pessoas apenas segundo o nosso ponto de vista, mas sim considerá-las e tratá-las segundo todos os pontos de vista, pensei, lidar com elas de uma maneira que pudéssemos dizer que lidámos com elas sem o mínimo preconceito, por assim dizer, mas isso não é possível porque, na realidade, alimentamos sempre preconceitos para com toda a gente.

A TV Como Instrumento Redutor

Porque é que a TV foi essa «caixinha que revolucionou o mundo»? Faço a pergunta e as respostas vêm em turbilhão. Fez de tudo um espectáculo, fez do longe o mais perto, promoveu o analfabetismo e o atraso mental. De um modo geral, desnaturou o homem. E sobretudo miniturizou-o, fazendo de tudo um pormenor, isturado ao quotidiano doméstico. Porque mesmo um filme ou peça de teatro ou até um espectáculo desportivo perdem a grandeza e metafísica de um largo espaço de uma comunidade humana.

Já um acto religioso é muito diferente ao ar livre ou no interior de uma catedral. Mas a TV é algo de minúsculo e trivial como o sofá donde a presenciamos. Diremos assim e em resumo que a TV é um instrumento redutor. Porque tudo o que passa por lá chega até nós diminuído e desvalorizado no que lhe é essencial. E a maior razão disso não está nas reduzidas dimensões do ecrã, mas no facto de a «caixa revolucionadora» ser um objecto entre os objectos de uma sala.

Mas por sobre todos os males que nos infligiu, ergue-se o da promoção do analfabetismo. Ser é um acto difícil e olhar o boneco não dá trabalho nenhum.

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O Medo Da Nossa Condição Humana

Quando me ponho às vezes a considerar as diversas agitações dos homens, e os perigos e trabalhos a que eles se expõem, na corte, na guerra, donde nascem tantas querelas, paixões, cometimentos ousados e muitas vezes nocivos, etc., descubro que toda a miséria dos homens vem duma só coisa, que é não saberem permanecer em repouso, num quarto. Um homem que tenha o bastante para viver, se fosse capaz de ficar em sua casa com prazer não sairia para ir viajar por mar ou pôr cerco a uma praça-forte. Ninguém compraria tão caro um posto no exército se não achasse insuportável deixar-se estar quieto na cidade; e quem procura a convivência e a diversão dos jogos é porque é incapaz de ficar, em casa, com prazer.
Mas quando pensei melhor, e que, depois de ter encontrado a causa de todos os nossos males, quis descobrir a razão desta, achei que há uma bem efectiva, que consiste na natural infelicidade da nossa condição frágil e mortal, e tão miserável que nada nos pode consolar quando nela pensamos a fundo.

O Mundo dos Solteiros

Agora a sério: você conhece algum solteiro verdadeiramente satisfeito com a sua condição de solteiro? Eu não. Conheço vários solteiros que se dizem satisfeitos com a sua condição de solteiros, mas que de bom grado imediatamente se casariam. Não se casam por inércia, por cobardia, muitas vezes por falta de sorte – mas é por uma vida a dois que suspiram. É da natureza humana. Uma coisa é estar entre casamentos. Outra é ser solteiro. E o solteiro cool é uma construção tão artificial como o da gordinha «muito» simpática. Você conhece alguma gordinha «muito» simpática em que essa tão óbvia simpatia não seja excessiva, provavelmente fabricada – e mensageira sobretudo de uma profunda solidão? Eu não.

(…) É um mundo sombrio, o mundo dos solteiros – um mundo de ansiedades, de cinismo, de ressentimento, de egoísmo. Se os solteiros solitários são tristes, aliás, os solteiros gregários são-no ainda mais. Você já foi a algum jantar em que os presentes fossem maioritariamente solteiros? Eu já. E, sempre que fui, voltei deprimido. Ia deprimido – e deprimido voltei. Íamos deprimidos – e deprimidos voltámos. Todos. Fizemos o que pudemos, claro: trocámos palavras, trocámos solidariedades, trocámos mimos. No fim, nada.

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É o Hábito Que Nos Persuade

É preciso não nos conhecermos mal: somos autómato, tanto quanto espírito, donde resulta que o instrumento pelo qual se faz a persuasão não é unicamente a demonstração. Quão poucas são as coisas demonstradas! As provas não convencem senão o espírito. O hábito dá-nos provas mais fortes e mais críveis; inclina o autómato, que arrasta o espírito, sem que ele o saiba. Quem demonstrou que amanhã será dia, e que morremos? E que existirá de mais crível? É, portanto, o hábito que nos persuade; é ele que faz tantos cristãos, que faz os maometanos, os pagãos, os artesãos, os soldados, etc.
Enfim, é preciso recorrer a ele depois de o espírito ter visto onde está a verdade, para nos dessedentar e nos impregnar dessa crença que nos escapa a todo o momento; pois ter as provas sempre presentes é por demais penoso. É mister adquirir uma crença mais fácil – a do hábito -, que, sem violência, sem artifício, sem argumento, nos faz crer nas coisas e predispõe todas as nossas faculdades para essa crença, de sorte que a nossa alma nela mergulhe naturalmente.Não basta crer pela força da convicção, quando o autómato está predisposto a crer o contrário. É preciso fazer com que as nossas duas partes creiam: o espírito,

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Individualismo e Individualidade

Há uma grande diferença entre o individualismo e a individualidade. O individualismo é uma característica doentia da personalidade, ancorada na incapacidade de aprender com os outros, na carência de solidariedade, no desejo de atender em primeiro, segundo e terceiro lugar aos próprios interesses. Em último lugar, ficam as necessidades dos outros.

A individualidade, por sua vez, está ancorada na segurança, na determinação, na capacidade de escolha. É, portanto, uma característica muito saudável da personalidade. Infelizmente, desenvolvemos frequentemente o individualismo e não a individualidade.

Aptidão, Vontade, e Acção

No reino da Natureza dominam o movimento e o agir. No reino da liberdade dominam a aptidão e o querer. O movimento é perpétuo e, sendo favoráveis as circunstâncias, manifesta-se necessariamente nos fenómenos. As aptidões, desenvolvendo-se embora em correspondência com a Natureza, têm contudo que ser postas em exercício por parte da vontade para poderem elevar-se gradualmente. É por isso que nunca temos no exercício livre da vontade a mesma certeza que temos na autonomia do agir natural; este último é qualquer coisa que se produz a si mesma enquanto que o primeiro é produzido.
O exercício da vontade, para ser perfeito e eficaz, tem que se adequar: no plano moral, à consciência – a uma consciência sem erro -, e, no domínio das artes, à regra – a uma regra que em nenhum lado está enunciada. A consciência não precisa de nenhum patrocínio, porque tem tudo o que lhe é necessário e porque só tem que ver com o mundo pessoal interior. O génio também não precisaria de nenhuma regra, mas, uma vez que a sua eficácia se dirige para o exterior, está na dependência de múltiplas contingências materiais e temporais, não lhe sendo possível escapar a erros que daí decorrem.

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A Dissimulação da Identidade

Não nos contentamos com a vida que temos em nós e no nosso próprio ser: queremos viver na ideia dos outros uma vida imaginária e para isso esforçamo-nos por manter as aparências. Trabalhamos incessantemente para embelezar e conservar o nosso ser imaginário, e descuramos o verdadeiro. E se temos ou a tranquilidade, ou a generosidade, ou a felicidade, apressamo-nos a apregoá-lo, a fim de atribuir estas virtudes ao nosso outro ser, e se fosse preciso estararíamos prontos a despojar-nos delas para as juntar ao outro; de bom grado seríamos cobardes para adquirirmos a reputação de valentes.
Grande sinal do nada que somos, não nos contentarmos de uma coisa sem a outra, e trocarmos muitas vezes uma pela outra! Pois quem não morresse para conservar a sua honra seria infame.

As Paixões Humanas

Eu considero inteligente o homem que em vez de desprezar este ou aquele semelhante é capaz de o examinar com olhar penetrante, de lhe sondar por assim dizer a alma e descobrir o que se encontra em todos os seus desvãos. Tudo no homem se transforma com grande rapidez; num abrir e fechar de olhos, um terrível verme pode corroer-lhe as entranhas e devorar-lhe toda a sua substância vital. Muitas vezes uma paixão, grande ou mesquinha pouco importa, nasce e cresce num indivíduo para melhor sorte, obrigando-o a esquecer os mais sagrados deveres, a procurar em ínfimas bagatelas a grandeza e a santidade. As paixões humanas não têm conta, são tantas, tantas, como as areias do mar, e todas, as mais vis como as mais nobres, começam por ser escravas do homem para depois o tiranizarem.
Bem-aventurado aquele que, entre todas as paixões, escolhe a mais nobre: a sua felicidade aumenta de hora a hora, de minuto a minuto, e cada vez penetra mais no ilimitado paraíso da sua alma. Mas existem paixões cuja escolha não depende do homem: nascem com ele e não há força bastante para as repelir. Uma vontade superior as dirige, têm em si um poder de sedução que dura toda a vida.

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A Realidade é Mais Poderosa que Qualquer Literatura

Eu costumava pensar que podia compreender tudo e exprimir tudo. Ou quase tudo. Eu lembro-me que quando estava a escrever o meu livro sobre a guerra no Afeganistão, Zinky Boys, que fui ao Afeganistão e eles mostraram-me algumas das armas estrangeiras que tinham sido capturadas aos combatentes afegãos. Fiquei espantada com a perfeição das suas formas, e quanto perfeitamente um pensamento humano poderia ser expresso. Havia um oficial ao meu lado que disse: “Se alguém pisar esta mina italiana que você diz que é tão bonita que parece uma decoração de Natal, não restaria mais nada deles além de um balde de carne. Você teria que raspá-los do chão com uma colher. ” Quando me sentei para escrever isto, foi a primeira vez que eu pensei, “Isto é algo que devo dizer?” Eu tinha sido educada na grande literatura russa, pensei que poderia ir muito muito longe, e então escrevi sobre aquela carne. Mas a Zona – é um mundo à parte, um mundo dentro do resto do mundo – e é mais poderoso do que qualquer coisa que a literatura tenha a dizer.

Não Há Dor Que Justifique a Fuga

A escuridão, as trevas desesperadas, é esse o círculo terrível da vida do dia-a-dia. Por que é que uma pessoa se levanta de manhã, come, bebe e se deita outra vez? A criança, o selvagem, o jovem saudável, o animal não padecem sob a rotina deste círculo de coisas e actividades indiferentes. Aquele a quem os pensamentos não atormentam, alegra-se com o levantar pela manhã e com o comer e o beber, acha que é o suficiente e não quer outra coisa.
Mas quem viu esta naturalidade perder-se, procura no decurso do dia, ansioso e desperto, os momentos da verdadeira vida cujas cintilações o tornam feliz e que apagam a sensação de que o tempo reúne em si todos os pensamentos relativos ao sentido e ao objectivo de tudo. Podem chamar a esses momentos, momentos criadores, porque parece que trazem a sensação de união com o criador, porque se sente tudo como desejado, mesmo que seja obra do acaso. É aquilo a que os místicos chamam união com Deus. Talvez seja a luz muito clara desses momentos que faz parecer tudo tão escuro, talvez a libertadora e maravilhosa leveza desses momentos faça sentir o resto da vida tão pesada,

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O Talento na Juventude e na Velhice

Nada menos exacto do que supor que o talento constitui privilégio da mocidade. Não. Nem da mocidade, nem da velhice. Não se é talentoso por se ser moço, nem genial por se ser velho. A certidão de idade não confere superioridade de espírito a ninguém. Nunca compreendi a hostilidade tradicional entre velhos e moços (que aliás enche a história das literaturas); e não percebo a razão por que os homens se lançam tantas vezes recíprocamente em rosto, como um agravo, a sua velhice ou a sua juventude.
Ser idoso não quer dizer que se seja necessáriamente intolerante e retrógado; e engana-se quem supuser que a mocidade, por si só, constitui garantia de progresso ou de renovação mental. As grandes descobertas que ilustram a história da ciência e contribuiram para o progresso humano são, em geral, obra dos velhos sábios; e a mocidade literária, negando embora sistemáticamente o passado, é nele que se inspira, até que o escritor adquire (quando adquire) personalidade própria.
(…) A mocidade, em geral, não cria; utiliza, transformando-o, o legado que recebeu. Juventude e velhice não se opõem; completam-se na harmonia universal dos seres e das coisas. A vida não é só o entusiasmo dos moços;

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Depois do Casamento

Tenho a certeza. Uma pessoa casa sem saber bem o que faz, a juventude, as ilusões, porque durante o namoro as pessoas só mostram o que têm de melhor, só a parte boa, e às vezes até fingem essa parte, com muita manha. Só depois do casamento ficamos a conhecer realmente o outro. Mas isso até o sabem as velhas, que nos dizem que as coisas foram sempre assim e que nós, raparigas novas, não fazemos caso delas, ficamos cegas de amor e não queremos ouvir a voz da experiência, pois somos tolas ao ponto de pensar que nunca ninguém se apaixonou como nós, como se tivéssemos sido nós a inventar o amor.