A Moda
As variações da sensibilidade sob a influência das modificações do meio, das necessidades, das preocupações, etc., criam um espírito público que varia de uma geração para outra e mesmo muitas vezes no espaço de uma geração. Esse espírito publico, rapidamente dilatado por contacto mental, determina o que se chama a moda. Ela é um possante factor de propagação da maior parte dos elementos da vida social, das nossas opiniões e das nossas crenças.
Não é só o vestuário que se submete às suas vontades. O teatro, a literatura, a política, a arte, as próprias idéias científicas lhe obedecem, e é por isso que certas obras apresentam um fundo de semelhança que permite falar do estilo de uma época.
Em virtude da sua acção inconsciente, submetemo-nos à moda sem que o percebamos. Os espíritos mais independentes a ela não se podem subtrair. São muito raros os artistas, os escritores que ousam produzir uma obra muito diferente das ideias do dia.
A influência da moda é tão pujante que ela obriga-nos, por vezes, a admirar coisas sem interesse e que parecerão mesmo de uma fealdade extrema, alguns anos mais tarde. O que nos impressiona numa obra de arte é muito raramente a obra em si mesma,
Textos sobre Vida
1380 resultadosA Religião como Ficção
– A fé é uma resposta instintiva a aspectos da existência que não podemos explicar de outro modo, seja o vazio moral que percebemos no universo, a certeza da morte, a própria origem das coisas, o sentido da nossa vida ou a ausência dele. São aspectos elementares e de extrema simplicidade, mas as nossas limitações impedem-nos de responder de modo inequívoco a essas perguntas e por isso geramos, como defesa, uma resposta emocional. É simples e pura biologia.
– Então, a seu ver, todas as crenças ou ideais não passariam de uma ficção.
– Toda a interpretação ou observação da realidade o é necessariamente. Neste caso, o problema reside no facto de o homem ser um animal moral abandonado num universo amoral e condenado a uma existência finita e sem outro significado que não seja perpetuar o ciclo natural da espécie. É impossível sobreviver num estado prolongado de realidade, pelo menos para o ser humano. Passamos uma boa parte das nossas vidas a sonhar, sobretudo quando estamos acordados. Como digo, pura biologia.
O Medo do Aborrecimento
O género de aborrecimento de que sofre a população das cidades modernas está intimamente ligado à sua separação da vida da Terra. Essa separação torna o seu viver ardente, poeirento e ansioso, tal como uma peregrinação no deserto. Nos que são suficientemente ricos para escolher o seu género de vida, o estigma peculiar de insuportável aborrecimento que os distingue é devido, por muito paradoxal que isso possa parecer, ao seu medo do aborrecimento. Ao fugirem do aborrecimento que é fecundo, são vítimas de outro de natureza pior. Uma vida feliz deve ser, em grande medida, uma vida tranquila, pois só numa atmosfera calma pode existir o verdadeiro prazer.
O Sensacionismo
Sentir é criar.
Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.
– Mas o que é sentir?
Ter opiniões é não sentir.
Todas as nossas opiniões são dos outros.
Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.
Só o que se pensa é que se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode comunicar. Só se pode comunicar o valor do que se sente. Só se pode fazer sentir o que se sente. Não que o leitor sinta a pena comum [?].
Basta que sinta da mesma maneira.
O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras é proibido ser explícito.
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente.
Ver, ouvir, cheirar, gostar, palpar – são os únicos mandamentos da lei de Deus. Os sentidos são divinos porque são a nossa relação com o Universo,
As Saudades Curtas
Também as versões-formiga dos maiores sentimentos têm tanto direito ao respeito como os leões e as impalas. Até por serem muito mais numerosas e frequentes, como está a multidão de insectos para com a pequena minoria dos vertebrados.
A minha formiguinha emocional são as saudades curtas que eu tenho da Maria João. Plenas não posso ter, graças a ela e a Deus, porque são poucos os momentos em que ela não está comigo. Mesmo não sendo muitas, essas faltas, por muito felizmente pequenas e provocadas pela necessidade, são suficientes para incutir em mim a dor, nem que seja por cinco minutos apenas, de estar separado dela.
Parecem estúpidas as saudades curtas. São certamente insensíveis e solipsistas, perante as saudades longas e profundas, que não têm cura nem, por serem insolúveis, têm a esperança de, um dia, deixarem de existir.
São saudades de uma hora, de um almoço perdido, de uma tarde interrompida. Parecem irracionais e ingratas, estas saudades curtas, de que sofrem as pessoas apaixonadas e felizes ou infelizes.
Mas não são. Daqui a um X número de horas, vou morrer. Daqui a um Y número de horas, vai morrer a Maria João. Morra quem morra,
O Fim do Amor Trágico e Romântico?
Vivemos, de facto, numa época em que a noção de amor trágico e romântico, que herdámos do século dezanove, se tornou inactual, embora continue ainda a ser vivida por muitos – e até com o carácter de construção moral e estética – essa relação extremamente apaixonada, exigente e exclusiva. A reclamação da liberdade erótica não me parece que de algum modo tenda a degradar a vida, conquanto possa dessublimizá-la e do mesmo passo desmistificá-la, precisamente no propósito de a tornar mais lúcida e mais generosa. Afigura-se-me que na contestação de todas as prepotências firmadas em preconceitos, em princípios estabelecidos apriorísticamente, há sempre um nexo muito íntimo entre a reinvindicação da liberdade erótica, da liberdade no trabalho e da liberdade política. E, naturalmente, quando se dá uma explosão desta espécie, é como uma pedra que rola e que vai agregando uma série de materiais e descobrindo a sua própria composição até às zonas mais profundas da sua estrutura.
Envelhecer
Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer… Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto,
A Genética Condiciona a Felicidade
Uma era de felicidade simplesmente não é possível porque as pessoas querem apenas desejá-la, mas não possuí-la, e cada indivíduo aprende durante os seus bons tempos a de facto rezar por inquietações e desconforto. O destino do homem está projetado para momentos felizes — toda a vida os têm —, mas não para eras felizes. Estas, porém, permanecerão fixadas na imaginação humana como “o que está além das montanhas”, como um legado de nossos ancestrais: pois o conceito de uma era de felicidade foi sem dúvida adquirido nos tempos primordiais, a partir da condição em que, depois de um esforço violento na caça e na guerra, o homem se entrega ao repouso, estica os membros e sente as asas do sono roçando a sua pele. Será uma falsa conclusão se, na trilha dessa remota e familiar experiência, o homem imaginar que, após eras inteiras de labor e inquietação, ele poderá usufruir, de modo correspondente, daquela condição de felicidade intensa e prolongada.
A Tua Importância na Tua Vida
É fundamental reconheceres a tua importância na tua vida. Por algum motivo nasceste, aprendeste a respirar e tiveste direito a um nome, nome esse que, em conjunto com as tuas características, te identificará eternamente como um ser individual, único e livre. Haverá algo mais especial e precioso que isso? Estou em crer que não; ainda assim, encontro muitas pessoas a quererem ser outras e outras ainda a querer acabar com elas próprias na esperança de, imediatamente, poderem vir a ser outro alguém. É o teu caso? Se for deve ser uma chatice, mas, também, se não te dás qualquer importância, que importância te darei eu? Já calculaste o perigo em que incorres por pensar desta maneira? Em menos de nada, estarás sozinho ou rodeado de gente como tu, ausente e que meteu férias no inferno para sempre. Bom, mas alegrem-se os corações porque acredito que não lerias estas linhas iniciais se nada estivesse a borbulhar aí dentro, se não existisse, pelo menos, uma fugaz esperança e uma enorme vontade de mudar. Está atento, o passado só influencia o presente se mantiveres o mesmo comportamento, por isso liberta-te dessa dor por uns instantes e lê em voz alta a próxima frase tantas vezes quantas achares necessário.
A Melancolia
A melancolia é sorna e estéril. Camões escreveu a sua epopeia nos dias da esperança. Quando a tristeza desanimadora o entrou, já não pôde escrever para o fidalgo, que lha pedia, uma paráfrase dos salmos.
Uma inteligência em quietismo não danifica os interesses materiais dum país, e até certo ponto pode considerar-se providencial o pousio; mas um cidadão analfabeto, embrutecido pela melancolia, se a sua qualidade civil é importante como deve ser, pode prejudicar gravemente os interesses da cidade.
Ainda bem que a melancolia raro se atreve a perturbar o funcionalismo intelectivo de certas cabeças, cuja organização é maravilha. Daí provém a traça metódica e auspiciosa com que o homem supinamente ignorante regula os seus negócios. Há nessa cabeça a perene claridade dum fundo de garrafa de cristal. As ideias impedem-lhe congeladas da abóbada craniana como as estalactites duma caverna. Dessa imobilidade imperturbável de cérebro resulta a fixidez da mira posta num alvo, a pertinácia das empresas e o conseguimento dos bons efeitos.
Ainda não vi tão cabal e logicamente explicado o fortunoso êxito de algumas riquezas granjeadas pela inépcia.
Não obstante, o número dos bastardos da fortuna é muito maior. O leitor é de certo um dos que tem em cada dia uma hora de enojo,
A Insustentável Leveza do Ser
Eis que ao despedir-vos, esse teu amigo te diz que ele não é esse teu amigo mas sim um seu irmão gémeo. Imediatamente uma alteração profunda se instalou nas vossas relações. Mas se te perguntares em quê, não é fácil responderes. Naturalmente dirias que esse teu amigo não era ele, que era outra pessoa. Mas outra em quê? O corpo é igual nos mínimos pormenores, igual a face e os gestos e a voz e os olhos. Iguais as ideias, os sentimentos, as recordações, o todo integral da sua vida e do que ele é. Se percorreres todos os pormenores, encontrá-los-ás em hipótese absolutamente iguais. Começa onde quiseres, examina cada minúcia que constitui o teu amigo, progride até ao mais extremo limite e verificarás que nada escapa a uma integral igualdade. Mas se isto é assim, deveria ser-te indiferente seres amigo deste como eras amigo do outro. Pois se uma pessoa é aquilo que ela nos é, se uma pessoa é aquilo que a manifesta, se aquilo que nos define é aquilo que somos e se esse alguém que encontrámos em nada difere, em hipótese, do alguém que esperávamos encontrar, nenhuma razão havia para que as relações com ele se perurbassem.
Serenidade Desperta
Tenho tanta coisa para fazer. Pois, mas aquilo que faz, fá-lo com qualidade? Conduzir até ao emprego, falar com os clientes, trabalhar no computador, fazer recados, lidar com os incontáveis afazeres que preenchem a sua vida quotidiana – até que ponto é que se entrega às coisas que faz? E realiza-as com entrega, sem resistência, ou, pelo contrário, sem se entregar e resistindo à acção? É isto que determina o sucesso na vida e não a dose de esforço que se despende. O esforço implica stresse e desgaste físico, implica a necessidade absoluta de atingir um determinado objectivo ou de alcançar um determinado resultado.
É capaz de detectar dentro de si até a mais pequena sensação de não quererestar a fazer aquilo que está a fazer? Isso é uma negação da vida e, desse modo, não será possível obter resultados verdadeiramente bons.
Se for capaz de descobrir aquela sensação, será que também consegue abdicar dela e entregar–se completamente àquilo que faz?
“Fazer uma coisa de cada vez”, foi assim que um Mestre Zen definiu o espírito da filosofia Zen.
Fazer uma coisa de cada vez significa estar nela por inteiro, concentrar nela toda a sua atenção.
Os Artistas Verdadeiros não Têm Ideologia
Dia entre pescadores. Eles a pescarem sardinha para a fome orgânica do corpo, e eu a pescar imagens para uma necessidade igual do espírito. Tisnados de saúde, os homens olham-me; e eu, amarelo de doença, olho-os também. Certamente que se julgam mais justificados do que eu, e que o mundo inteiro lhes dá razão. Mas da mesma maneira que eles, sem que ninguém lhes peça sardinha, se metem às ondas, também eu, sem que ninguém me peça poesia, me lanço a este mar da criação. Há uma coisa que nenhuma ideologia pode tirar aos artistas verdadeiros: é a sua consciência de que são tão fundamentais à vida como o pão. Podem acusá-los de servirem esta ou aquela classe. Pura calúnia. É o mesmo que dizer que uma flor serve a princesa que a cheira. O mundo não pode viver sem flores, e por isso elas nascem e desabrocham. Se olhos menos avisados passam por elas e as não podem ver, a traição não é delas, mas dos olhos, ou de quem os mantém cegos e incultos.
Amo-te Mais do que Nunca
Acabei, enfim, acabei! E logo me precipito a enviar-te uma palavrinha! Amo-te, és a minha vida, toda a minha vida. Aqui estou, pois, liberto! Que alegria! Até logo! Amo-te mais do que nunca. E tu, como te sentes esta manhã, minha alegria? Passaste bem a noite, ao menos? Irei encontrar o teu belo rosto radioso como o céu, que ontem chorava e hoje sorri? Preciso que tenhas saúde, que me ames, que sejas feliz. Preciso de ti, da tua saúde, do teu amor, da tua felicidade. Sabes, pobre querida, que podes viver descansada enquanto eu viver. O céu fez as minhas mãos para que reparassem a tua vida meio desfeita, a minha alma para compreender o teu coração, os meus lábios para beijar os teus pés.
Neruda e García Lorca em Homenagem a Rubén Dario
Eis o texto do discurso:
Neruda: Senhoras…
Lorca: …e senhores. Existe na lide dos touros uma sorte chamada «toreio dei alimón», em que dois toureiros furtam o corpo ao touro protegidos pela mesma capa.
Neruda: Federico e eu, ligados por um fio eléctrico, vamos emparelhar e responder a esta recepção tão significativa.
Lorca: É costume nestas reuniões que os poetas mostrem a sua palavra viva, prata ou madeira, e saúdem com a sua voz própria os companheiros e amigos.
Neruda: Mas nós vamos colocar entre vós um morto, um comensal viúvo, escuro nas trevas de uma morte maior que as outras mortes, viúvo da vida, da qual foi na sua hora um marido deslumbrante. Vamos esconder-nos sob a sua sombra ardente, vamos repetir-lhe o nome até que a sua grande força salte do esquecimento.
Lorca: Nós, depois de enviarmos o nosso abraço com ternura de pinguim ao delicado poeta Amado Villar, vamos lançar um grande nome sobre a toalha, na certeza de que vão estalar as taças, saltar os garfos, buscando o olhar que todos anseiam, e que um golpe de mar há-de manchar as toalhas. Nós vamos evocar o poeta da América e da Espanha: Rubén…
Descobrir os Vícios dos Outros
Eis agora um bom método para descobrir os vícios de uma pessoa. Começa por conduzir a conversa para os vícios mais correntes, depois aborda mais em particular os que pensas que possam afligir o teu interlocutor. Fica a saber que se mostrará extremamente duro na reprovação e denúncia do vício de que ele próprio padece. Assim se vêem muitas vezes pregadores fustigar com a maior veemência os vícios que os aviltam.
Para desmascarar um falso, consulta-o acerca de um determinado assunto. Depois, passados alguns dias, volta a falar-lhe nesse mesmo assunto. Se, da primeira vez, te quis induzir em erro, a opinião que desta segunda vez te dará será diferente: quer a Diniva Providência que depressa esqueçamos as nossas próprias mentiras.
Finge-te bem informado acerca de um caso de que, na realidade, não sabes grande coisa, na presença de pessoas das quais tenhas motivos para crer que estão perfeitamente ao corrente: verás que se trairão, ao corrigirem o que disseres.
Quando vires um homem afectado por um grande desgosto, aproveita a ocasião para o lisonjear e consolar. É muitas vezes nestas circunstâncias que deixará transparecer os seus pensamentos mais secretos e ocultos.
Leva as pessoas –
Metade da Vida é uma Perdulária Expectativa
Vou fazendo horas – metade da vida é uma perdulária expectativa. E tonta. E ansiosa. E inútil. Como quem se sentou numa gare de caminho-de-ferro, à espera de um comboio que não se sabe quando passará e qual o seu destino. Certeza, e relativa, está apenas no local de espera. E às vezes na própria espera. Se chegamos a concretizar a viagem, o lugar aonde o comboio nos levou, desilude-nos. Isso, porém, não impede que tudo venha a repetir-se. Desperdiça-se o instante real e concreto, mas que, como areia, se nos escapa das mãos, em favor de uma ilusória vez seguinte.
Todo o Génio é um Degenerado
Sendo certo que todo o génio é um degenerado (nem superior, nem inferior, porque há só degenerados de uma espécie, mau grado a absurda escapatória dos psiquiatras modern style), certíssimo é, sem dúvida, que entre os génios, os da inteligência assumem um relevo máximo de degeneração. Um chefe político, um grande general, são, no que génios, degenerados, porque são desvios do tipo normal e originais na sua acção e na sua individualidade. Mas são normais porque são homens de acção, porque vivem no meio da vida, e não se pode fazer isso sem uma certa adaptação a ela. O mais revolucionário dos génios políticos tem de se adpatar ao que quer destruir para o poder destruir. Tem de mergulhar na vida que quer substituir para poder agir sobre ela.
Não assim na esfera da inteligência e da emoção intelectualizada – na da filosofia e na da arte, digo. Sobre ser original, o artista, o pensador é um inadaptado às formas normais da vida, por isso que nem age no sentido da actividade normal (porque é original), nem age no que age, age vulgarmente (porque, em lugar de ter uma acção vulgar, orienta a sua vida sobretudo para a sensação e para a inteligência e não para a acção,
Uma Alma Grande e Corajosa
Um espírito corajoso e grande é reconhecido principalmente devido a duas características: uma consiste no desprezo pelas coisas exteriores, na convicção de que o homem, independentemente do que é belo e conveniente, não deve admirar, decidir ou escolher coisa alguma nem deixar-se abater por homem algum, por qualquer questão espiritual ou simplesmente pela má fortuna. A outra consiste no facto – especialmente quando o espírito é disciplinado na maneira acima referida – de se dever realizar feitos, não só grandes e seguramente, bastante úteis, mas ainda em grande número, árduos e cheios de trabalhos e perigos, tanto para a vida como para as muitas coisas que à vida interessam.
Todo o esplendor, toda a dimensão (devo acrescentar ainda a utilidade), pertencem à segunda destas duas características; porém, a causa e o princípio eficiente, que os tornam homens grandes, à primeira.
Naquela está, com efeito, aquilo que torna os espíritos excelentes e desdenhosos das coisas humanas. Na verdade, pode isto ser reconhecido por duas condições: em primeiro lugar, se estimares alguma coisa como sendo boa unicamente porque é honesta, em segundo lugar, se te encontrares livre de toda a perturbação de espírito. Consequentemente, o facto de se ter em pouca conta aquelas coisas humanas e de se desprezar,
As Coisas Efémeras são as Mais Necessárias
Das coisas tangíveis, as menos duráveis são as necessárias ao próprio processo da vida. O seu consumo mal sobrevive ao acto da sua produção; no dizer de Locke, todas essas «boas coisas» que são «realmente úteis à vida do homem», à «necessidade de subsistir», são «geralmente de curta duração, de tal modo que – se não forem consumidas pelo uso – se deteriorarão e perecerão por si mesmas».
Após breve permanência neste mundo, retomam ao processo natural que as produziu, seja através de absorção no processo vital do animal humano, seja através da decomposição; e, sob a forma que lhes dá o homem, através da qual adquirem um lugar efémero no mundo das coisas feitas pelas mãos do homem, desaparecem mais rapidamente que qualquer outra parcela do mundo.