Ver Correr a Esperança
De bruços sobre o lavatório, abro a torneira, tapo o ralo, fico alguns momentos a ver correr a esperança, que vai enchendo aos poucos a bacia. Depois fecho a torneira e, retirando a tampa, vejo-a escoar-se em gorgolejos que cada vez são mais humanos e mais fundos. É a respiração do ralo, que só então dou conta de que está dentro de mim, por uma dessas distorções a que é costume eu ser atreito e que me impede ainda de me ver no próprio espelho, que, apesar de se encontrar à minha frente, não consigo deslocar do avesso dos meus olhos.
Os meus sentidos rangem, solidários com os canos, eles que eu gostaria de poder assimilar ao mar, a um cĂ©u azul, desanuviado, e que jamais me dĂŁo do espĂrito visões onde nĂŁo se encastoem nuvens e rebentem tempestades.
Repito a operação. Mergulho Ă s vezes as mĂŁos na minha esperança, mas retiro-as ao cabo de algum tempo, antes que se transformem em raĂzes. Destapo uma vez mais o ralo. Assim corre a amizade – penso, olhando o redemoinho -, assim correm os afectos, que, depois de encherem a bacia onde a custo nos lavamos sem os fazermos transbordar,
Textos sobre VisĂŁo de LuĂs Miguel Nava
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