Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!
Passagens sobre Tufões
9 resultadosChoro De Vagas
Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;Vejo-os na escuridão da noite, aflitos,
Bracejando ou já mortos e de bruços,
Largados das marés, em ermas plagas…Ah! que são deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!
Hino Ă Morte
Tenho Ă s vezes sentido o chocar dos teus ossos
E o vento da tua asa os meus lábios roçar;
Mas da tua presença o rasto de destroços
Nunca de susto fez meu coração parar.Nunca, espanto ou receio, ao meu ânimo trouxe
Esse aspecto de horror com que tudo apavoras,
Nas tuas mãos erguendo a inexorável Fouce
E a ampulheta em que vais pulverizando as horas.Sei que andas, como sombra, a seguir os meus
[passos,
TĂŁo prĂłxima de mim que te respiro o alento,
— Prestes como uma noiva a estreitar-me em teus
[braços,
E a arrastar-me contigo ao teu leito sangrento…Que importa? Do teu seio a noite que amedronta,
Para mim nĂŁo Ă© mais que o refluxo da Vida,
Noite da noite, donde esplĂŞndida desponta
A aurora espiritual da Terra Prometida.A Alma volta Ă Luz; sai desse hiato de sombra,
Como o insecto da larva. A Morte que me aterra,
Essa que tanta vez o meu ânimo assombra,
Não és tu, com a paz do teu oásis te terra!Quantas vezes,
Ao EstrĂdulo Solene Dos Bravos
– Os Trópicos pulando as palmas batem…
Em pĂ© nas ondas – O Equador dá vivas!…Ao estrĂdulo solene dos bravos! das platĂ©ias,
Prossegues altaneira, oh! Ădolo da arte!…
– O sol pára o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idéias.A velha natureza escreve-te odisséias…
A estrela, a nĂvea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!Perpassam vagos sons na harpa do mistério
Lá, quando no proscênio te ergues imperando
– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidério!Então da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…
A Alvorada do Amor
Um horror grande e mudo, um silĂŞncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:“Chega-te a mim! entra no meu amor,
E Ă minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufĂŁo de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estĂŁo cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu…Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chĂŁo; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
O Desfecho
Prometeu sacudiu os braços manietados
E sĂşplice pediu a eterna compaixĂŁo,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.Mais dez, mais cem, mais mil e mais um biliĂŁo,
Uns cingidos de luz, outros ensangüentados…
SĂşbito, sacudindo as asas de tufĂŁo,
Fita-lhe a água em cima os olhos espantados.Pela primeira vez a vĂscera do herĂłi,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer Ă s raivas que a consomem.Uma invisĂvel mĂŁo as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplĂcio e acabara o homem.
Com Os Mortos
Os que amei, onde estĂŁo? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
SĂł vejo espuma lĂvida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhĂŁo ideal do eterno Bem.
Eu Vi Dos PĂłlos O Gigante Alado
Eu vi dos pĂłlos o gigante alado,
Sobre um montão de pálidos coriscos,
Sem fazer caso dos bulcões ariscos,
Devorando em silĂŞncio a mĂŁo do fado!Quatro fatias de tufĂŁo gelado
Figuravam da mesa entre os petiscos;
E, envolto em manto de fatais rabiscos,
Campeava um sofisma ensangüentado!– “Quem és, que assim me cercas de episódios?”
Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovões seródios.– “Eu sou” – me disse, – “aquele anacronismo,
Que a vil coorte de sulfĂşreos Ăłdios
Nas trevas sepultei de um solecismo…”
Meridional
Cabelos
Ă“ vagas de cabelo esparsas longamente,
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar,
E tendes o cristal dum lago refulgente
E a rude escuridĂŁo dum largo e negro mar;Cabelos torrenciais daquela que me enleva,
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus
No báratro febril da vossa grande treva,
Que tem cintilações e meigos céus de luz.Deixai-me navegar, morosamente, a remos,
Quando ele estiver brando e livre de tufões,
E, ao plácido luar, ó vagas, marulhemos
E enchamos de harmonia as amplas solidões.Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos
Ocultos nesse abismo ebânico e tão bom
Como um licor renano a fermentar nos copos,
Abismo que se espraia em rendas de Alençon!E, ó mágica mulher, ó minha Inigualável,
Que tens o imenso bem de ter cabelos tais,
E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbável,
Entre o rumor banal dos hinos triunfais;Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionário avaro
E faz morrer de febre um louco sonhador.