Passagens sobre Vento

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Despedida

Uma harpa envelhece.
Nada se ouve ao longo dos canais e os remadores
sonham junto às estátuas de treva.
A tua sombra está atrás da minha sombra e dança.
Tocas-me de tão longe, sobre a falésia, e não sei se
foi amor.
Certo rumor de cálices, uma súplica ao dealbar das
ruĂ­nas,
tudo se perdeu no solitário campo dos céus.
Uma estrela caĂ­a.
Esse fogo consumido queima ainda a lembrança do
sul, a sua extrema dor anoitecida.
NĂŁo vens jamais.
O teu rosto Ă© a relva mutilada dos passos em que me
entristeço, a absoluta condenação.
Chove quando penso que um dia as tuas rosas floriam
no centro desta cidade.
Não quis, à volta dos lábios, a profanação do jasmim,
as tuas folhas de outubro.
Ocultarei, na agonia das casas, uma pena que esvoaça,
a nudez de quem sangra Ă  vista das catedrais.
O meu peito abriga as tuas sementes, e morre.
Esta mĂşsica Ă© quase o vento.

Que coisa Ă© o homem neste mundo? Comediante no tablado, hĂłspede na estalagem, uma candeia exposta ao vento, padecente caminhando para o suplĂ­cio.

Menino e Moço

Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.

Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizĂŁo de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!

Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!

Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porĂ©m, Senhor! ellas nĂŁo voltam mais…

O Louro Chá no Bule Fumegando

O louro chá no bule fumegando
De Mandarins e Brâmanes cercado;
Brilhante açúcar em torrões cortado;
O leite na caneca branquejando.

Vermelhas brasas, alvo pĂŁo tostado;
Ruiva manteiga em prato bem lavado;
O gado feminino rebanhado,
E o pisco Ganimedes apalpando;

A ponto a mesa está de enxaropar-nos.
SĂł falta que tu queiras, meu Sarmento,
Com teus discretos ditos alegrar-nos.

Se vens, ou caia chuva, ou brame o vento,
NĂŁo pode a longa noite enfastiar-nos,
Antes tudo será contentamento.

Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.

Natal Diferente

I

Catedrais de luz erguidas na cidade.
Neve artificial nas montras com brinquedos.
Soa um Cântico antigo no vento da tarde
que arrefece. Em cada rosto, em cada olhar,
um nĂŁo-sei-quĂŞ de pasmo nesta hora de Natal.

NĂŁo Ă© serenidade o que se bebe pelas ruas.
Cinzenta é a cor do céu. Decerto vai chover.
No ambiente superficial
representam-se alegrias.
As notĂ­cias nos jornais agravam
o cepticismo deste Natal a haver.

Sinto-me vazio. Lasso. Sem vontade.
Uma grande ternura a boiar dentro de rnirn:
Lástima, piedade, amor pelos humanos?
Mas de que serve comover-me assim?

Vou aceitar este Natal, tal como está.
Com álcool. Com prazer.
Embriagar-me de luz, de sons e de ilusões.
Ser como toda a gente. E possa o mundo arder!

II

Meu Menino Jesus que deves estar no Céu
vem tiritar nas cidades sem calor.
Vem dar realidade a este dia, vem!
— Trinta e três anos e a consciência em flor.
Mas não venhas de fraldas: a Estrela já brilhou.
Traz o corpo macerado,

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Que Pesa o EscrĂşpulo do Pensamento?

Azuis os montes que estĂŁo longe param.
De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa,
Ou verde ou amarelo ou variegado,
Ondula incertamente.
Débil como uma haste de papoila
Me suporta o momento. Nada quero.
Que pesa o escrĂşpulo do pensamento
Na balança da vida?
Como os campos, e vário, e como eles,
Exterior a mim, me entrego, filho
Ignorado do Caos e da Noite
Às férias em que existo.

Na ConfusĂŁo Do Mais Horrendo Dia

Na confusĂŁo do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.

Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrĂ­vel, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.

Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.

Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos

O Céu, de Opacas Sombras Abafado

O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;

Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste além pousado;

Formam quadro terrĂ­vel, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato Ă  fereza
Do ciĂşme e saudade, a que ando afeito.

Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.

AusĂŞncia

Nas horas do poente,
Os bronzes sonolentos,
– pastores das ascĂ©ticas planuras –
Lançam este pregão ao soluçar dos ventos,
Ă€ nuvem erradia,
Ă€s penhas duras:
– Que Ă© dele, o eterno Ausente,
– Cantor da nossa melancolia?

Nas tardes duma luz de Ă­ntimo fogo,
Rescendentes de tudo o que passou,
Eu prĂłprio me interrogo:
– Onde estou? Onde estou?
E procuro nas sombras enganosas
Os fumos do meu sonho derradeiro!

– Ventos, que novas me trazeis das rosas,
Que acendiam clarões no meu jardim?

– Pastores, que Ă© do vosso companheiro?

– Saudades minhas, que sabeis de mim?

Despondency

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
Ă€ morte queda, Ă  morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a Ăşltima esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!

VĂłs, palavras, traĂ­s em vĂŁo o ataque
secreto, o vento que sopra no coração.
A razĂŁo mais verdadeira Ă© de quem cala.

A Noite Suavemente Descia

A noite
Suavemente descia;
E eu nos teus braços deitádo
Até sonhei que morria.

E via
Goivos e cravos aos mĂłlhos;
Um Christo crucificado;
Nos teus olhos,
Suavidade e frieza;
Damasco rĂ´xo, cinzento,
Rendas, velludos puĂ­dos,
Perfumes caros entornados,
RumĂ´r de vento em surdina,
Insenso, rézas, brocados;
Penumbra, sinos dobrando;
Vellas ardendo;
Guitarras, soluços, pragas,
E eu… devagar morrendo.

O teu rosto moreninho,
Eu achei-o mais formoso,
Mas, sem lagrimas, enxuto;
E o teu corpo delgado,
O teu corpo gracioso,
Estava todo coberto de lucto.

Depois, anciosamente,
Procurei a tua boca,
A tua boca sadĂ­a;
Beijámo-nos doidamente…
– Era dia!

E os nossos corpos unidos,
Como corpos sem sentidos,
No chĂŁo rolaram… e assim ficaram!…

insinceridade

quis-nos aos dois enlaçados
meu amor ao lusco-fusco
mas sem saber o que busco:
há poentes desolados
e o vento Ă s vezes Ă© brusco

nem o cheiro a maresia
a rebate nas marés
na costa de lés a lés
mais tempo nos duraria
do que a espuma a nossos pés

a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nĂłs perdidos no meio

sem perdĂŁo e sem disfarce,
sem deixar uma pegada
por sobre a areia molhada,
a ver o dia apagar-se
e a noite feita de nada

por isso afinal nĂŁo quero
ir contigo ao lusco-fusco,
meu amor, nem Ă© sincero
fingir eu que assim te espero,
sem saber bem o que busco.

Século XXI

Falam de tudo como se a razĂŁo
lhes ensinasse desesperadamente
a mentir, a lançar
sem remorso nem asco um novo isco
à espera que alguém morda
e acredite nessa liturgia
cujos deuses são fáceis de adorar
e obedecem Ă s leis do mercado.

Falam desse ludĂ­brio a que chamam
o futuro
como se ele existisse
e as suas palavras ecoam
em flatulentas frases
sempre a favor do vento que as agita
ao ritmo dos sorrisos ou das entrevistas
em que tudo se vende
por um preço acessível: emoções
& sexo & fama & outros prometidos
paraísos terrestres em horário nobre
– matĂ©ria reciclável
alimentando o altar do esquecimento.

O poder nĂŁo existe, como sabes
demasiado bem – apenas uma
inĂştil recidiva biolĂłgica
de hormonas apressadas que procuram
ser fiéis aos comércio
dos sonhos sempre iguais, reproduzindo
sedutoras metástases do nada
nos cĂłdigos de barras ou nos cromossomas
de quem já pouco espera dos seus genes.