Contente EstĂĄ Quem Assim se Julga de si Mesmo
A abastança e a indigĂȘncia dependem da opiniĂŁo de cada um; e a riqueza nĂŁo mais do que a glĂłria, do que a saĂșde tĂȘm tanto de beleza e de prazer quanto lhes atribui quem as possui. Cada qual estĂĄ bem ou mal conforme assim se achar. Contente estĂĄ nĂŁo quem assim julgamos, mas quem assim julga de si mesmo. E apenas com isso a crença assume essĂȘncia e verdade.
A fortuna nĂŁo nos faz nem bem nem mal: somente nos oferece a matĂ©ria e a semente de ambos, que a nossa alma, mais poderosa que ela, transforma e aplica como lhe apraz – causa Ășnica e senhora da sua condição feliz ou infeliz.
Os acréscimos externos tomam a cor e o sabor da constituição interna, como as roupas que nos aquecem não com o calor delas e sim com o nosso, que a elas cabe proteger e alimentar; quem abrigasse um corpo frio prestaria o mesmo serviço para a frialdade: assim se conservam a neve e o gelo.
Ă certo que, exactamente como o estudo serve de tormento para um preguiçoso, a abstinĂȘncia do vinho para um alcoĂłlatra, a frugalidade Ă© suplĂcio para o luxorioso e o exercĂcio incomoda um homem delicado e ocioso;
Passagens sobre VĂcio
362 resultadosCuidado com a tristeza. Ela Ă© um vĂcio.
A moral ensina a moderar as paixĂ”es, a cultivar as virtudes e a reprimir os vĂcios.
A beneficĂȘncia Ă© sobretudo um vĂcio do orgulho e nĂŁo uma virtude da alma.
Os inimigos que mais temo a Portugal sĂŁo soberba e ingratidĂŁo, vĂcios tĂŁo naturais da prĂłspera fortuna que, como filhos da vĂbora, juntamente nascem dela e a corrompem.
A estupidez nĂŁo estĂĄ de um lado e o espĂrito do outro. Ă como o vĂcio e a virtude; sagaz Ă© quem os distingue.
Ajuda entre SĂĄbios
EstĂĄs interessado em saber se um sĂĄbio pode ser Ăștil a outro sĂĄbio. NĂłs definimos o sĂĄbio como um homem dotado de todos os bens no mais alto grau possĂvel. A questĂŁo estĂĄ pois em saber como Ă© possĂvel alguĂ©m ser Ăștil a quem jĂĄ atingiu o supremo bem. Ora, os homens de bem sĂŁo Ășteis uns aos outros. A sua função Ă© praticar a virtude e manter a sabedoria num estado de perfeito equilĂbrio. Mas cada um necessita de outro homem de bem com quem troque impressĂ”es e discuta os problemas. A perĂcia na luta sĂł se adquire com a prĂĄtica; dois mĂșsicos aproveitam melhor se estudarem em conjunto. O sĂĄbio necessita igualmente de manter as suas virtudes em actividade e, por isso mesmo, nĂŁo sĂł se estimula a si prĂłprio como se sente estimulado por outro sĂĄbio. Em que pode um sĂĄbio ser Ăștil a outro sĂĄbio? Pode servir-lhe de incitamento, pode sugerir-lhe oportunidades para a prĂĄtica de acçÔes virtuosas. AlĂ©m disso, pode comunicar-lhe as suas meditaçÔes e dar-lhe conta das suas descobertas. Nunca faltarĂĄ mesmo ao sĂĄbio algo de novo a descobrir, algo que dĂȘ ao seu espĂrito novos campos a explorar.
Os indivĂduos perversos fazem mal uns aos outros,
A hipocrisia Ă© uma homenagem que o vĂcio presta Ă virtude.
Alimentar um vĂcio custa mais que criar um filho.
A estrada do vĂcio conduz ao precipĂcio.
NĂŁo existe vĂcio que nĂŁo tenha uma falsa semelhança com uma virtude e que disso nĂŁo tire proveito.
O prazer em si nĂŁo Ă© vĂcio.
A Amizade como Auxiliar da Virtude
A maioria dos homens, na sua injustiça, para nĂŁo dizer na sua imprudĂȘncia, quer possuir amigos tais como eles prĂłprios nĂŁo seriam. Exigem o que nĂŁo tĂȘm. O que Ă© justo Ă© que, primeiro, sejamos homens de bem e em seguida procuremos o que nos pareça sĂȘ-lo. SĂł entre homens virtuosos se pode estabelecer esta conveniĂȘncia em amizade, sobre a qual insisto hĂĄ muito tempo. Unidos pela benevolĂȘncia, guiar-se-ĂŁo nas paixĂ”es a que se escravizam os outros homens. AmarĂŁo a justiça e a equidade. EstarĂŁo sempre prontos a tudo empreender uns pelos outros, e nĂŁo se exigirĂŁo reciprocamente nada que nĂŁo seja honesto e legĂtimo. Enfim, terĂŁo uns para os outros, nĂŁo somente deferĂȘncias e ternuras, mas, tambĂ©m, respeito. Eliminar o respeito da amizade Ă© podar-lhe o seu mais belo ornamento.
Ă pois erro funesto crer que a amizade abre via livre Ă s paixĂ”es e a todos os gĂ©neros de desordens. A natureza deu-nos a amizade, nĂŁo como cumplice do vĂcio, mas como auxiliar da virtude.
A fim de que a virtude, que, sozinha, nĂŁo poderia chegar ao ĂĄpice, pudesse atingi-lo com o auxĂlio e o apoio de tal companhia. Aqueles para quem esta aliança existe, existiu ou existirĂĄ,
LĂșbrica
Mandaste-me dizer,
No teu bilhete ardente,
Que hĂĄs de por mim morrer,
Morrer muito contente.Lançastes, no papel
As mais lascivas frases;
A carta era um painel
De cenas de rapazes!Ă cĂĄlida mulher,
Teus dedos delicados
Traçaram do prazer
Os quadros depravados!Contudo, um teu olhar
Ă muito mais fogoso,
Que a febre epistolar
Do teu bilhete ansioso:Do teu rostinho oval
Os olhos tĂŁo nefandos
Traduzem menos mal
Os vĂcios execrandos.Teus olhos sensuais,
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.As grandes comoçÔes
Tu neles, sempre, espelhas;
SĂŁo lĂșbricas paixĂ”es
As vĂvidas centelhas…Teus olhos imorais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais
Que muitas bibliotecas!
O Elogio do VĂcio
Admiro os viciados. Num mundo em que estĂĄ toda a gente Ă espera de uma catĂĄstrofe total e aleatĂłria ou de uma doença sĂșbita qualquer, o viciado tem o conforto de saber aquilo que quase de certeza estarĂĄ Ă sua espera ao virar da esquina. Adquiriu algum controlo sobre o seu destino final e o vĂcio faz com que a causa da sua morte nĂŁo seja uma completa surpresa.
De certo modo, ser um viciado Ă© uma coisa bastante proactivista. Um bom vĂcio retira Ă morte a suposição. Existe mesmo uma coisa que Ă© planear a tua fuga.
Toda a Comunidade nos Torna Vulgares
Viver com uma imensa e orgulhosa calma; sempre para alĂ©m. – Ter e nĂŁo ter, arbitrariamente, os seus afectos, o seu prĂł e contra, condescender com eles por umas horas; montar sobre eles como em cavalos, frequentemente como em burros; – Ă© que se deve saber aproveitar a sua estupidez tal como a sua fogosidade. Conservar os seus trezentos primeiros planos; tambĂ©m os Ăłculos escuros; pois hĂĄ casos em que ninguĂ©m nos deve olhar nos olhos e muito menos ainda nas nossas «razĂ”es». E escolher, para companhia, aquele vĂcio matreiro e sereno, a cortesia. E ficar senhor das suas quatro virtudes, a coragem, a perspicĂĄcia, a simpatia, a solidĂŁo. Pois a solidĂŁo Ă© entre nĂłs uma virtude, como tendĂȘncia e impulso sublimes do asseio que adivinha como, no contacto de homem para homem – «em sociedade» – tudo Ă©, inevitavelmente, sujo, Toda a comunidade nos torna de qualquer modo, em qualquer parte, em qualquer altura – «vulgares».
A Vaidade Também Pode Ser Benéfica
A vaidade por ser causa de alguns males, nĂŁo deixa de ser princĂpio de alguns bens: das virtudes meramente humanas, poucas se haviam de achar nos homens, se nos homens nĂŁo houvesse vaidade: nĂŁo sĂł seriam raras as acçÔes de valor, de generosidade, e de constĂąncia, mas ainda estes termos, ou palavras, seriam como bĂĄrbaras, e ignoradas totalmente. Digamos, que a vaidade as inventou.
O ser inflexĂvel Ă© ser constante; o desprezar a vida Ă© ter valor: SĂŁo virtudes, que a natureza desaprova, e que a vaidade canoniza. A aleivosia, a ingratidĂŁo, a deslealdade, sĂŁo vĂcios notados de vileza, por isso deles nos defende a vaidade; porque esta abomina tudo quanto Ă© vil. Assim se vĂȘ, que hĂĄ vĂcios, de que a vaidade nos preserva, e que hĂĄ virtudes, que a mesma vaidade nos ensina.
Ele tem todas as virtudes que eu nĂŁo gosto e nenhum dos vĂcios que admiro.
Desespero
NĂŁo eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lĂĄbios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.NĂŁo eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que nĂŁo vi
Mais que os vĂcios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.NĂŁo fui eu que te quis. E nĂŁo sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deuA grande solidĂŁo que de ti espero.
A voz com que te chamo Ă© o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.
NĂŁo desprezamos todos os que tĂȘm vĂcios; mas desprezamos aqueles que nĂŁo tĂȘm nenhuma virtude.