Entendimento Influenciado pela Vontade
Na ciĂŞncia de julgar, alguma vez Ă© desculpável o erro do entendimento, o da vontade nunca; como se o entender mal nĂŁo fosse crime, erro sim; ou como se houvesse uma grande diferença entre o erro, e o crime: o entendimento pode errar, porĂ©m sĂł a vontade pode delinquir. Assim se desculpam comummente os julgadores, mas Ă© porque nĂŁo vĂŞem, que o que dizem que procedeu do entendimento, se bem se ponderar, procedeu unicamente da vontade. É um parto suposto, cuja origem, nĂŁo Ă© aquela que se dá. Querem os sábios enobrecer o erro, com o fazer vir do entendimento, e com lhe encobrir o vĂcio que trouxe da vontade; mas quem Ă© que deixa de ver, que o nosso entendimento quási sempre se sujeita ao que nĂłs queremos; e que o seu maior empenho, Ă© servir Ă nossa inclinação; por isso raras vezes se opõe, e o mais em que se ocupa, Ă© em conformar-se de tal sorte ao nosso gosto, que ainda a nĂłs mesmos fique parecendo, que foi resolução do entendimento aquilo que nĂŁo foi senĂŁo acto da vontade.
O entendimento Ă© a parte que temos em nĂłs mais lisonjeira; daqui vem que nem sempre segue a razĂŁo,
Passagens sobre VĂcio
362 resultadosA economia, que Ă© uma virtude, Ă© uma necessidade na pobreza, um acto de juĂzo na mediania, e na opulĂŞncia um vĂcio.
NĂŁo há vĂcio que a si mesmo nĂŁo se puna.
Aquele que tem muitos vĂcios tem muitos senhores.
Toda virtude Ă© um ápice entre dois vĂcios: o da falta e do excesso.
A mentira Ă© um vĂcio ignĂłbil, que toda a gente abomina, e que nĂŁo deve perdoar-se ao mais Ănfimo escravo.
Todas as virtudes sĂŁo restrições, todos os vĂcios, ampliações da liberdade.
Um homem inteligente transforma os vĂcios em virtudes, mas o tolo transforma as virtudes em vĂcios.
O sangue se herda, o vĂcio se afeiçoa.
A virtude absoluta mata o ser humano com tanta segurança como o vĂcio absoluto, pela letargia e pomposidade que provocam.
O vĂcio Ă© o sacrifĂcio do futuro e do presente.
Aprender a Ver
Aprender a ver – habituar os olhos Ă calma, Ă paciĂŞncia, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nĂłs; aprender a adiar o juĂzo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este Ă© o primeiro ensino preliminar para o espĂrito: nĂŁo reagir imediatamente a um estĂmulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, Ă© já quase o que o modo afilosĂłfico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto Ă©, precisamente, o poder nĂŁo «querer», o poder diferir a decisĂŁo. Toda a nĂŁo-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistĂŞncia a um estĂmulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que Ă© já doença, decadĂŞncia, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosĂłfica designa com o nome de «vĂcio» Ă© apenas essa incapacidade fisiolĂłgica de nĂŁo reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espĂ©cie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mĂŁo. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o facto pequeno,
GratidĂŁo
A minha gratidão te dá meus versos:
Meus versos, da lisonja nĂŁo tocados,
Satélites de Amor, Amor seguindo
Co’as asas que lhes pĂ´s benigna Fama,
Qual nĂveo bando de inocentes pombas,
Os lares vĂŁo saudar, propĂcios lares,
Que em doce recepção me contiveram
Incertos passos da IndigĂŞncia errante;
Dos olhos vĂŁo ser lidos, que apiedara
A catástrofe acerba de meus dias,
Dos infortĂşnios meus o quadro triste;
VĂŁo pousar-te nas mĂŁos, nas mĂŁos que foram
TĂŁo dadivosas para o vate opresso,
Que o peso dos grilhões me aligeiraram,
Que sobre espinhos me esparziram flores,
Enquanto nĂŁo recentes, vĂŁos amigos,
Inúteis corações, volúvel turba
(A versos mais atenta que a suspiros)
No Letes mergulhou memĂłrias minhas.
Amigos da Ventura e nĂŁo de Elmano,
Aónio serviçal de vós me vinga;
Ao nome da Virtude o VĂcio core.NĂŁo sei se vens de herĂłis, se vens de grandes;
NĂŁo sei, meu benfeitor, se teus maiores
Foram cobertos, decorados foram
De purpúreos dosséis, de márcios loiros;
Sei que frequentas da Amizade o templo,
Que és grande,
Virtudes vencem vĂcios.
O sangue herda-se, o vĂcio pega-se.
Velhice: aquele perĂodo da vida no qual ajustamos os vĂcios que ainda temos, denegrindo aqueles que já nĂŁo conseguimos satisfazer.
Existem defeitos que sĂŁo uma protecção contra alguns vĂcios epidĂ©rmicos, do mesmo modo que, em tempo de peste, os doentes de febre quartĂŁ escapam ao contágio.
A rapidez, que Ă© uma virtude, gera um vĂcio, que Ă© a pressa.
FamĂlia, tu Ă©s a morada de todos os vĂcios da sociedade; tu Ă©s a casa de repouso das mulheres que amam as suas asas, a prisĂŁo do pai de famĂlia e o inferno das crianças.
NĂŁo Há VĂcio que se nĂŁo Esconda Atrás de Boas Razões
NĂŁo há vĂcio que se nĂŁo esconda atrás de boas razões; a princĂpio, todos sĂŁo aparentemente modestos e aceitáveis, sĂł que a pouco e pouco vĂŁo-se expandindo. NĂŁo conseguirás pĂ´r fim a um vĂcio se deixares que ele se instale. Toda a paixĂŁo Ă© ligeira de inĂcio; depois vai-se intensificando, e Ă medida que progride vai ganhando forças. É mais difĂcil libertarmo-nos de uma paixĂŁo do que impedir-lhe o acesso. NinguĂ©m ignora que todas as paixões decorrem de uma tendĂŞncia, por assim dizer, natural. A natureza confiou-nos a tarefa de cuidar de nĂłs prĂłprios, mas, se formos demasiado complacentes, o que era tendĂŞncia torna-se vĂcio. Aos actos necessários juntou a natureza o prazer, nĂŁo para que fizĂ©ssemos deste a nossa finalidade mas apenas para nos tornar mais agradáveis aquelas coisas sem as quais Ă© impossĂvel a existĂŞncia. Se o procuramos por si mesmo, caĂmos na libertinagem. Resistamos, portanto, Ă s paixões quando elas se aproximam, já que, conforme disse, Ă© mais fácil nĂŁo as deixar entrar do que pĂ´-las fora.