Última Visio
Quando o homem resgatado da cegueira
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Terá nascido nesse mesmo instante
A mineralogia derradeira!A impérvia escuridão obnubilante
Há de cessar! Em sua glória inteira
Deus resplandecerá dentro da poeira
Como um gasofiláceo de diamante!Nessa última visão já subterrânea,
Um movimento universal de insânia
Arrancará da insciência o homem precito…A Verdade virá das pedras mortas
E o homem compreenderá todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!
Passagens sobre Visão
300 resultadosNocturno
Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento…Como um canto longínquo – triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento…A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
Amor Místico
Quando a minha alma nasceu
Para onde olhou primeiro,
E viu tudo um nevoeiro,
Foi lá cima para o céu…
Que a alma nunca lhe passa
De ideia a fonte da graça!Em toda a ânsia de luz,
Em toda a ânsia de gozo,
Sempre aquele olhar ansioso
Nesse ideal de Jesus…
Nesse bem que não se exprime…
Êxtase de amor sublime!Olhava da solidão,
Onde se sentia presa,
Com a natural tristeza
Dos ferros de uma prisão…
À espera sempre da hora
Que lhe raiasse a aurora!Bem a chamavam de cá
Sempre os cuidados do dia;
Ela, que nunca os ouvia,
Olhava, mas para lá…
Donde ela mesmo viera,
Donde todo o bem se espera!Um dia (nem eu sei qual,
Que em suma foi isso há tanto!)
Vê com uns olhos de espanto
Romper-se a névoa geral;
E como um sol recortado
Nesse mar enevoado…E dentro desse clarão,
Como em círculo de prata,
Que imagem se lhe retrata,
Fosse verdade ou visão?
Meus Olhos Vêem Melhor se os Vou Fechando
Meus olhos vêem melhor se os vou fechando.
Viram coisas de dia e foi em vão,
mas quando durmo, em sonhos te fitando,
são escura luz que luz na escuridão.Tu cuja sombra faz a sombra clara,
como em forma de sombras assombravas
ledo o claro dia em luz mais rara,
se em sombra a olhos sem visão brilhavas!Que benção a meus olhos fora feita
vendo-te à viva luz do dia bem,
se a tua sombra em trevas imperfeitaa olhos sem visão no sono vem!
Vejo os dias quais noites não te vendo,
e as noites dias claros sonhos tendo.
Soneto
Brancas Aparições, Visões renanas,
Imagens dos Ascetas peregrinos,
Hinos nevoentos, neblinosos hinos
Das brumosas igrejas luteranas.Vago mistério das regiões indianas,
Sonhos do Azul dos astros cristalinos,
Coros de Arcanjos, claros sons divinos
Dos Arcanjos, nas tiorbas soberanas.Tudo ressurge na minh’alma e vaga
Num fluido ideal que me arrebata e alaga,
No abandono mais lânguido mais lasso…Quando lá nos sacrários do Cruzeiro
A lua rasga o trêmulo nevoeiro,
Magoada de vigílias e cansaço…
Teus Olhos
Teus olhos de tão mística elegia,
resplandecentes de penumbra viva,
Perdem-se em mim: do meu olhar deriva
A luz da mais cristã melancolia!Possa eu viver em ti, nessa harmonia
De memorante paz meditativa;
Minha alma da tua alma se cativa,
Aspira o teu silêncio que inebria!Teu vulto no Ar imprime-se em debuxos
De recortada flor; visões perpassam
Nocturnamente nos teus olhos bruxos!Uma fonte discorre outonos tristes;
Caem flores do Céu; almas esvoaçam;
Estendo as mãos… adeus! Já não existes!
A Grande Mudança na Tua Vida
E quando o evento, a grande mudança na tua vida, é simplesmente uma visão – não é uma coisa estranha? Que absolutamente nada mude, exceto que vejas as coisas de forma diferente e és menos medroso e menos ansioso, e geralmente mais forte como resultado: não é surpreendente que uma coisa completamente invisível na tua cabeça se possa vir a sentir de uma forma mais real do que qualquer coisa que já experimentaste antes? Vês as coisas de forma mais clara e sabes que estás a vê-las de forma mais clara. E chegas à conclusão de que isso é o que significa amar a vida, isso é tudo o que qualquer pessoa que fala a sério sobre Deus está alguma vez a falar. Momentos como este.
A Coragem de Seres Só
Uma arma de triunfo te dei, sobre todas as outras: a coragem de seres só; deixou de te afectar como argumento ou força esmagadora a alheia opinião, as ligeiras correntes e os redemoinhos do mar; rocha pequena, mas segura, sobre ti se hão-de erguer, para que vençam a noite, as luzes salvadoras; não te prendem os louvores dos que te querem aliado, nem as ameaças dos contrários; traçaste a tua rota e hás-de segui-la até ao fim, sem que te desviem as variadas pressões. Só e constante, mesmo em face do tempo; os anos que rolam tu os consideras elemento de experiência; para os homens futuros episódios sem valor; se eles te abaterem, só terão abatido o que há de menos valioso; e contribuirão para que melhor se afirme o que puseste como lição da tua vida; a muitos absorve o actual; mas a ti, que tens como tua grande linha de cultura, e porventura tua alma, a posse das largas perspectivas, a hora começando te vê firme e firme te abandona. Nenhuma estóica rigidez neste teu porte; antes a compassada lentidão, a facilidade maleável de bom ginasta; não é por amor da Humanidade que hás-de perder as mais fundas qualidades de homem.
Tenho de parar, sem que na verdade me sacudam. Nem sequer sinto o perigo de me perder, e no entanto sinto-me tão desamparado como quem está de fora. Mas a firmeza que a mais insignificante escrita me proporciona está para além da dúvida e é maravilhosa. A visão compreensiva que tive de tudo durante o meu passeio de ontem!
A Invisibilidade de Deus
dizem que em sua boca se realiza a flor
outros afirmam:
a sua invisibilidade é aparente
mas nunca toquei deus nesta escama de peixe
onde podemos compreender todos os oceanos
nunca tive a visão de sua bondosa mãoo certo
é que por vezes morremos magros até ao osso
sem amparo e sem deus
apenas um rosto muito belo surge etéreo
na vasta insónia que nos isolou do mundo
e sorri
dizendo que nos amou algumas vezes
mas não é o rosto de deus
nem o teu nem aquele outro
que durante anos permaneceu ausente
e o tempo revelou não ser o meu
Sobre o Falso
Somos falsos de maneiras diferentes. Há homens falsos que querem parecer sempre o que não são. Outros há de melhor fé, que nasceram falsos, se enganam a si próprios o nunca vêem as coisas tal como são. Há alguns cujo espírito é estreito e o gosto falso. Outros têm o espírito falso, mas alguma correcção no gosto. E ainda há outros que não têm nada de falso, nem no gosto nem no espírito. Estes são muito raros, já que, em geral, não há quase ninguém que não tenha alguma falsidade algures, no espírito ou no gosto.
O que torna essa falsidade tão universal, é que as nossas qualidades são incertas e confusas e a nossa visão também: não vemos as coisas tal como são, avaliamo-las aquém ou além do que elas valem e não as relacionamos connosco da forma que lhes convém e que convém ao nosso estado e às nossas qualidades. Esse erro de cálculo traz consigo um número infinito de falsidades no gosto e no espírito: o nosso amor-próprio lisonjeia-se como tudo que se nos apresenta sob a aparência de bem; mas como há várias formas de bem que sensibilizam a nossa vaidade ou o nosso temperamento,
Espiritualidade
É no sonho que o amor engrandece o seu mundo
para morrer depois nos sentidos exausto…
Nasce, como o de Comte e Clotilde, profundo,
morre, feito desejo, na expressão de um Fausto!Mais sublime talvez, talvez menos fecundo
antes da posse, é apenas perfume… luz… hausto…
– até que atinge o instante imortal de um segundo
em que a ele ofertamos tudo em holocausto!O que possui de grande, esplêndido, complexo,
está, nessa afeição mais do homem que da fera,
mais do Ser propriamente que do próprio sexo…Está mais na visão do que se imaginou
– e é por isso que o amor maior é o que se espera,
e eterno, é o que se espera… e nunca o que chegou!…
Quanto Mais Complexa For a Visão Menos ela se Presta à Sátira
Quanto mais complexa for a visão menos ela se presta à sátira; quanto mais compreende menos é capaz de resumir e dizer linearmente. Por exemplo: Shakespeare e Dostoievski, nenhum deles satiriza. A era do entendimento, a era da destruição – e assim por diante.
Post Mortem
Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.Quando as níveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.Já terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados…Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!
Metafísica
1
Não tenta nada de que se tivesse já esquecido;
o seu objectivo, agora, é organizar o presente.2
Com as mãos, procura avaliar a qualidade da terra:
se as folhas lhe dão a consistência do ser vivo,
ou se a pedra que está por baixo, com os restos
fósseis da origem, rompe a sua unidade, e impede
o caminho às raízes.3
Os olhos não sabem, ainda, que a visão profunda
os dispensa. Por dentro, o olhar implica a noite;
e é da fusão das formas no negro último do céu,
para além da superfície das estrelas e das nebulosas
que essa verdade brilha com a sua exacta eternidade.
É somente pelo amaciamento e disfarce da carne morta através do preparo culinário, que ela é tornada susceptível de mastigação ou digestão e que a visão de seus sucos sangrentos e horror puro não criam um desgosto e abominação intoleráveis.
Visão sem ação é sonho. Ação sem visão é pesadelo.
O Dote que se Oferece no Horror
o dote que se oferece no horror
dessa cidade é mais uma manobra difícil
das marés viradas em nossos pulsos
tal o esforço da visão da névoasonhos e vibrações técnicas estão aí
para tudo que seja atual
em frontes douradas pois ficou vazio
o que é pesado como o antigo absurdoseu desejo excepcional ainda dentro
do medo com a mudança recente de vultos
interessados na superfície do arrependimentomas chegou ao fim a fúria da indecência
e as unhas vistas entre os ossos podem matar
elas conhecem o que pode ser morto de novo
Baladas Românticas – Branca…
Vi-te pequena: ias rezando
Para a primeira comunhão:
Toda de branco, murmurando,
Na fronte o véu, rosas na mão.
Não ias só: grande era o bando…
Mas entre todas te escolhi:
Minh’alma foi te acompanhando,
A vez primeira em que te vi.Tão branca e moça! o olhar tão brando!
Tão inocente o coração!
Toda de branco, fulgurando,
Mulher em flor! flor em botão!
Inda, ao lembrá-lo, a mágoa abrando,
Esqueço o mal que vem de ti,
E, o meu rancor estrangulando,
Bendigo o dia em que te vi!Rosas na mão, brancas… E, quando
Te vi passar, branca visão,
Vi, com espanto, palpitando
Dentro de mim, esta paixão…
O coração pus ao teu mando…
E, porque escravo me rendi,
Ando gemendo, aos gritos ando,
– Porque te amei! porque – te vi!Depois fugiste… E, inda te amando,
Nem te odiei, nem te esqueci:
– Toda de branco… Ias rezando…
Maldito o dia em que te vi!
Sua visão só ficará clara quando você olhar em seu coração. Quem olha fora, sonha. Quem olha dentro, desperta.