Passagens sobre Visão

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Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda.

Não És Tu

Era assim, tinha esse olhar,
A mesma graça, o mesmo ar,
Corava da mesma cor,
Aquela visão que eu vi
Quando eu sonhava de amor,
Quando em sonhos me perdi.

Toda assim; o porte altivo,
O semblante pensativo,
E uma suave tristeza
Que por toda ela descia
Como um véu que lhe envolvia,
Que lhe adoçava a beleza.

Era assim; o seu falar,
Ingénuo e quase vulgar,
Tinha o poder da razão
Que penetra, não seduz;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração.

Nos olhos tinha esse lume,
No seio o mesmo perfume ,
Um cheiro a rosas celestes,
Rosas brancas, puras, finas,
Viçosas como boninas,
Singelas sem ser agrestes.

Mas não és tu… ai!, não és:
Toda a ilusão se desfez.
Não és aquela que eu vi,
Não és a mesma visão,
Que essa tinha coração,
Tinha, que eu bem lho senti.

Somos para Nós mesmos Objecto de Descontentamento

Se os outros se observassem a si próprios atentamente como eu achar-se-iam, tal como eu, cheios de inanidade e tolice. Não posso livrar-me delas sem me livrar de mim mesmo. Estamos todos impregnados delas, mas os que têm consciência de tal saem-se, tanto quanto eu sei, um pouco melhor.
A ideia e a prática comuns de olhar para outros lados que não para nós mesmos de muito nos tem valido! Somos para nós mesmos objecto de descontentamento: em nós não vemos senão miséria e vaidade. Para não nos desanimar, a natureza muito a propósito nos orientou a visão para o exterior. Avançamos facilmente ao sabor da corrente, mas inverter a nossa marcha contra a corrente, rumo a nós próprios, é um penoso movimento: assim o mar se turva e remoinha quando em refluxo é impelido contra si mesmo.
Cada qual diz: «Olhai os movimentos do céu, olhai para o público, olhai para a querela deste homem, para o puso daquele, para o testamento daqueloutro; em suma, olhai sempre para cima ou para baixo, ou para o lado, ou para a frente, ou para trás de vós.»
O mandamento que na antiguidade nos preceituava aquele deus de Delfos ia contra esta opinião comum: «Olhai para dentro de vós,

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Só os líderes de calibre e integridade especiais são capazes de ver os problemas básicos que nos afectam a todos, e tendem a evitar polémicas estéreis que limitam a visão de muitos activistas.

Horizontes de Eternidade

A morte não é um acontecimento da vida. A morte não pode ser vivida. Caso se compreenda por eternidade não uma duração temporal infinita, mas a intemporalidade, quem vive no presente é quem vive eternamente. A nossa vida é tanto mais sem fim quanto mais o nosso campo de visão não tem limites.

O Teu Amor, Bem Sei

o teu amor, bem sei, é uma palavra musical,
espalha-se por todos nós com a mesma ignorância,
o mesmo ar alheio com que fazes girar, suponho, os epiciclos;
ergues os ombros e dizes, hoje, amanhã, nunca mais,
surpreende o vigor, a plenitude
das coxas masculinas, habituadas ao cansaço,
separamo-nos, à procura de sinais mais fixos,
e o circuito das chamas recomeça.

é um país subtil, o olho franco das mulheres,
há nos passeios garrafas com leite apenas cinzento,
os teus pais disseram: o melhor de tudo é ser engenheiro,
morrer de casaco, com todas as pirâmides acesas,
viajar de navio de buenos aires a montevideu.
esta é a viagem que não faremos nunca, soltos
na minuciosa tarde dos lábios,
ágil pobreza.

permanentemente floresce o horizonte em colinas,
os animais olham por dentro, cheios de vazio,
como um ladrão de pouca perícia a luz
desfaz devagarmente os corpos.
ele exclama: quando me libertarás da tosca voz dormida,
para que seja
alto e altivo o coração da coisas? até quando aguardarei,
no harmonioso beliche, que a tua visão cesse?

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A Sabedoria é a Nossa Salvação

A nossa cultura é hoje muito superficial, e os nossos conhecimentos são muito perigosos, já que a nossa riqueza em mecânica contrasta com a pobreza de propósitos. O equilíbrio de espírito que hauríamos outrora na fé ardente, já se foi: depois que a ciência destruiu as bases sobrenaturais da moralidade o mundo inteiro parece consumir-se num desordenado individualismo, reflector da caótica fragmentação do nosso carácter.

Novamente somos defrontados pelo problema atormentador de Sócrates: como encontrar uma ética natural que substitua as sanções sobrenaturais já sem influência sobre a conduta do homem? Sem filosofia, sem esta visão de conjunto que unifica os propósitos e estabelece a hierarquia dos desejos, malbaratamos a nossa herança social em corrupção cínica de um lado e em loucuras revolucionárias de outro; abandonamos num momento o nosso idealismo pacífico para mergulharmos nos suicídos em massa da guerra; vemos surgir cem mil políticos e nem um só estadista; movemo-nos sobre a terra com velocidades nunca antes alcançadas mas não sabemos oara onde vamos, nem se no fim da viagem alcançaremos qualquer espécie de felicidade.
Os nossos conhecimentos destroem-nos. Embebedem-nos com o poder que nos dão. A única salvação está na sabedoria.

Jardim

Negro jardim onde violas soam
e o mal da vida em ecos se dispersa:
à toa uma canção envolve os ramos
como a estátua indecisa se reflete

no lago há longos anos habitado
por peixes, não, matéria putrescível,
mas por pálidas contas de colares
que alguém vai desatando, olhos vazados

e mãos oferecidas e mecânicas,
de um vegetal segredo enfeitiçadas,
enquanto outras visões se delineiam

e logo se enovelam: mascarada,
que sei de sua essência (ou não a tem),
jardim apenas, pétalas, presságio

Acaso

No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.

A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.

Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos…
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,

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Sem Poesia Não Há Humanidade

Sem Poesia não há Humanidade. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma. A intuição poética ou orfaica antecede, como fonte original, o conhecimento euclidiano ou científico. E nos dá o sentido mais perfeito e harmónico da vida. Aperfeiçoando o ser humano, afasta-o do antropóide e aproxima-o dos antropos. Que a mocidade actual, obcecada pela bola e pelo cinema, reduzida quase a uma fotografia peculiar e uma espécie de máquina de fazer pontapés, despreza o seu aperfeiçoamento moral; e, com o seu fato de macaco, prefere regressar à Selva a regressar ao Paraíso. E assim, igualando-se aos bichos, mente ao seu destino, que é ser o coração e a consciência do Universo: o sagrado coração e o santo espírito. Eis o destino do homem, desde que se tornou consciente. E tornou-se consciente, porque tal acontecimento estava contido nas possibilidades da Natureza. Sim, a nossa consciência é a própria Natureza numa autocontemplação maravilhosa. Ou é o próprio Criador numa visão da sua obra, através do homem. E, vendo-a, desejou corrigi-la, transfigurando-se em Redentor.

Exilada

Bela viajante dos países frios
Não te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incógnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste…

Arrojos

Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.

Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.

Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos noturnos.

Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.

Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.

Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.

Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,

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Poupar a Vontade

Em comparação com o comum dos homens, poucas coisas me atingem, ou, dizendo melhor, me prendem; pois é razoável que elas atinjam, contanto que não nos possuam. Tenho grande zelo em aumentar pelo estudo e pela reflexão esse privilégio de insensibilidade, que em mim é naturalmente muito saliente. Desposo – e consequentemente me apaixono por – poucas coisas. A minha visão é clara, mas detenho-a em poucos objectos; a sensibilidade, delicada e maleável. Mas a apreensão e aplicação, tenho-a dura e surda: dificilmente me envolvo. Tanto quanto posso, emprego-me todo em mim; porém mesmo nesse objecto eu refrearia e suspenderia de bom grado a minha afeição para que ela não se entregasse por inteiro, pois é um objecto que possuo por mercê de outrém e sobre o qual a fortuna tem mais direito do que eu. De maneira que até a saúde, que tanto estimo, ser-me-ia preciso não a desejar e não me dedicar a ela tão desenfreadamente a ponto de achar insuportáveis as doenças. Devemos moderar-nos entre o ódio e o amor à voluptuosidade; e Platão receita um caminho mediano de vida entre ambos.
Mas às paixões que me distraem de mim e me prendem alhures, a essas certamente me oponho com todas as minhas forças.

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Fui um Leitor Apaixonado

Eu fui um leitor apaixonado. Não havia livros em minha casa, mas costumava ler bastante nas biblioteca públicas, especialmente à noite. Lia indiscriminadamente. Lembro-me de ler a tradução do «Paraíso Perdido» quando tinha 16 anos. Não havia ninguém que me dissesse o que experimentar a seguir. Por isso tive uma educação literária anárquica cheia de lacunas, mas com o tempo consegui organizar uma espécie de visão coerente da literatura, acima de tudo da literatura francesa.

Visão Medieva

Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.

Nas armaduras rígidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.

O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.

Não raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.

A Racionalização das Emoções

O ponto de vista feminino tem sido muito mais difícil de expressar que o masculino. Se assim me posso exprimir, o ponto de vista feminino não passa pela racionalização por que o intelecto do homem faz passar os seus sentimentos. A mulher pensa emocionalmente; a sua visão baseia-se na intuição. Por exemplo, ela pode ter um sentimento em relação a qualquer coisa que nem sequer é capaz de articular.
A princípio, achei extremamente difícil descrever como me sentia. Porém, se fazemos psicanálise, a questão é sempre: «Como é que se sentiu em relação a isso?» e não «O que é que pensou?» E como muito frequentemente a mulher não deu o segundo passo, que é explicar a sua intuição – por que passos lá chegou, o a-b-c daquilo – ela não consegue ser tão articulada.
Ora eu tentei fazer isso (quer tenha conseguido quer não), e, porque estava a escrever um diário que pensava que ninguém leria, consegui anotar o que sentia acerca das pessoas ou o que sentia acerca do que via sem o segundo processo. O segundo processo veio através da psicanálise, que era igualmente um método de comunicar com o homem em termos de uma racionalização das nossas emoções de modo que pareçam fazer sentido ao intelecto masculino.

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Arte legítima é aquela que tem uma certa inevitabilidade: só poderia ser feita naquele momento histórico, por uma determinada pessoa, inspirada por uma visão de um mundo determinada.

À Virgem Santíssima

Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

N’um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza…

Um místico sofrer… uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!