Alma Solitária
Ă“ alma doce e triste e palpitante!
Que cĂtaras soluçam solitárias
Pelas Regiões longĂnquas, visionárias
Do teu Sonho secreto e fascinante!Quantas zonas de luz purificante,
Quantos silêncios, quantas sombras várias
De esferas imortais imaginárias
Falam contigo, Ăł Alma cativante!Que chama acende os teus farĂłis noturnos
E veste os teus mistériosa taciturnos
Dos esplendores do arco de aliança?Por que és assim, melancolicamente,
Como um arcanjo infante, adolescente,
Esquecido nos vales da Esperança?!
Passagens sobre Visionários
17 resultadosO Sentido de Possibilidade
Poderia definir-se o sentido de possibilidade como aquela capacidade de pensar tudo aquilo que tambĂ©m poderia ser e de nĂŁo dar mais importância Ă quilo que Ă© do que Ă quilo que nĂŁo Ă©. Como se vĂŞ, as consequĂŞncias desta disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, nĂŁo Ă© raro que façam aparecer como falso aquilo que as pessoas admiram e como lĂcito aquilo que elas proĂbem, ou entĂŁo as duas coisas como sendo indiferentes. Esses homens do possĂvel vivem, como se costuma dizer, numa trama mais subtil, numa teia de nĂ©voa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendĂŞncias destas, acaba-se firmemente com elas, e diz-se-lhe que tais pessoas sĂŁo visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito.
Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes tambĂ©m idealistas, mas Ă© claro que com isso sĂł se alude Ă sua natureza dĂ©bil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade Ă© um verdadeiro defeito. O possĂvel, porĂ©m, nĂŁo abarca apenas os sonhos dos neurastĂ©nicos, mas tambĂ©m os desĂgnios ainda adormecidos de Deus. Uma experiĂŞncia possĂvel ou uma verdade possĂvel nĂŁo sĂŁo iguais a uma experiĂŞncia real e uma verdade real menos o valor da sua realidade,
Nua E Crua
Doire a Poesia a escura realidade
E a mim a encubra! Um visionário ardente
Quis vĂŞ-la nua um dia; e, ousadamente,
Do áureo manto despoja a divindade;O estema da perpétua mocidade
Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,
Inteiramente nua e inteiramente
Crua, como a Verdade! E era a Verdade!Fita-a em seguida, e atônito recua…
– Ó Musa! exclama então, magoado e triste,
Traja de novo a louçainha tua!Veste outra vez as roupas que despiste!
Que olhar se apraz em ver-te assim tão nua?…
Ă€ nudez da Verdade quem resiste?!
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visões da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
O Visionário é o único e verdadeiro realista.
A InteligĂŞncia e o Sentido Moral
A inteligĂŞncia Ă© quase inĂştil para aqueles que sĂł a possuem a ela. O intelectual puro Ă© um ser incompleto, infeliz, pois Ă© incapaz de atingir aquilo que compreende. A capacidade de apreender as relações das coisas sĂł Ă© fecunda quando associada a outras actividades, como o sentido moral, o sentido afectivo, a vontade, o raciocĂnio, a imaginação e uma certa força orgânica. SĂł Ă© utilizável Ă custa de esforço.
Os detentores da ciĂŞncia preparam-se longamente realizando um duro trabalho. Submetem-se a uma espĂ©cie de ascetismo. Sem o exercĂcio da vontade, a inteligĂŞncia mantĂ©m-se dispersa e estĂ©ril. Uma vez disciplinada, torna-se capaz de perseguir a verdade. Mas sĂł a atinge plenamente se for ajudada pelo sentido moral. Os grandes cientistas tĂŞm sempre uma profunda honestidade intelectual. Seguem a realidade para onde quer que ela os conduza. Nunca procuram substituĂ-la pelos seus prĂłprios desejos, nem ocultá-la quando se torna opressiva. O homem que quiser contemplar a verdade deve manter a calma dentro de si mesmo. O seu espĂrito deve ser como a água serena de um lago. As actividades afectivas, contudo, sĂŁo indispensáveis ao progresso da inteligĂŞncia. Mas devem reduzir-se a essa paixĂŁo que Pasteur chamava deus inteiror, o entusiasmo.
Luta
Fluxo e refluxo eterno…
JoĂŁo de Deus.Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas…Mas a mim, cheia de atracções divinas,
Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!Insondável problema!… Apavorado
Recúa o pensamento!… E já prostrado
E estúpido á força de fadiga,Fito inconsciente as sombras visionárias,
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, Ăł mar, a tua voz antiga.
Voz de Outono
Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
— «Mais te valera, nú e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima soidão,Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel
deveza, Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com ódio e raiva e dor… que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» —
Como Nasce o Amor?
Nem eu nem vĂłs sabemos como nasce o amor. Em fisiologia, que Ă© a ciĂŞncia do homem fĂsico, nĂŁo se sabe. A psicologia tambĂ©m nĂŁo diz nada a este respeito. Os romances, que sĂŁo os mais amplos expositores da matĂ©ria, nĂŁo avançam cousa nenhuma ao que está dito desde LabĂŁo e Rachel atĂ© á neta do arcediago e o filho de Ricarda.
Dizer que o amor é a sensualidade, além de grosseira definição, é falsidade desmentida pela experiência. Há um amor que não rasteja nunca no raso estrado das propensões orgânicas.
Dizer que o amor é uma operação puramente espiritual é um devaneio de visionários, que trazem sempre as mulheres pelas estrelas, ao mesmo tempo que elas, gravitando materialmente para o centro do globo, comem e bebem á maneira dos mortais, e até das divindades do cantor de Aquiles.
Eu conheço homens, sem faĂsca de espĂrito, que se abrazam tocados pelo amor como o fĂłsforo em presença do ar. Eis aqui um fenĂłmeno eminentemente importante. Ele, sĂł, sustenta em tese que o amor nĂŁo tem nada com o corpo nem com o espirito. Eu creio que Ă© um fluido. É pena, porĂ©m, que eu nĂŁo saiba o que Ă© fluido para me dar aqui uns ares pedantescos,
Portugal
Maior do que nĂłs, simples mortais, este gigante
foi da glĂłria dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrĂŁo dilatou, inĂłspito montado,
numa pátria… E que pátria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!
Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinĂłis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados pĂncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundância, amor, concórdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhĂŞs e herĂłico Ă beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!
Pátria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreĂŁo de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiões, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor,
Exaltação Ao Amor
Sofro, bem sei…Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar…colher a flor…Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco, talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor…com o meu Amor!Nada me impedirá que seja meu,
se Ă© fogo que em meu peito se acendeu,
e lavra, e cresce, e me consome o Ser…Deus o pôs…Ninguém mais há de dispor…
Se esse amor nĂŁo puder ser meu viver,
há de ser meu para eu morrer de Amor!
Visionários
Armam batalhas pelo mundo adiante
Os que vagam no mundos visionários,
Abrindo as áureas portas de sacrários
Do Mistério soturno e palpitante.O coração flameja a cada instante
Com brilho estranho, com fervores vários,
Sente a febre dos bons missionários
Da ardente catequese fecundante.Os visionários vão buscar frescura
De água celeste na cisterna pura
Da Esperança, por horas nebulosas…Buscam frescura, um outro novo encanto…
E livres, belos através do pranto,
Falam baixo com as almas misteriosas!
O Interior da Alma
O olho do espĂrito em parte nenhuma pode encontrar mais deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa nenhuma, que seja mais temĂvel, complicada, misteriosa e infinita. Há um espectáculo mais solene do que o mar, Ă© o cĂ©u; e há outro mais solene do que o cĂ©u, Ă© o interior da alma.
Fazer o poema da consciĂŞncia humana, mas que nĂŁo fosse senĂŁo a respeito de um sĂł homem, e ainda nos homens o mais Ănfimo, seria fundir todas as epopeias numa epopeia superior e definitiva. A consciĂŞncia Ă© o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, o cadinho dos sonhos, o antro das ideias vergonhosas: Ă© o pandemĂłnio dos sofismas, Ă© o campo de batalha das paixões. Penetrai, a certas horas, atravĂ©s da face lĂvida de um ser humano, e olhai por trás dela, olhai nessa alma, olhai nessa obscuridade. Há ali, sob a superfĂcie lĂmpida do silĂŞncio exterior, combates de gigante como em Homero, brigas de dragões e hidras, e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante.
O Paradoxo da Verdade
O homem deseja e odeia a verdade. Quer mentir aos outros – quer que o enganem (prefere a ficção à realidade), mas por outro lado receia o engano, quer o fundo das coisas, o verdadeiro verdadeiro, etc.
Somente a razão conduz à verdade. Mas só os fanáticos, os visionários e os iluminados fazem as coisas grandiosas, mudanças, descobertas. A verdade, de tanto se tornar necessária, conduz à secura, à dúvida, à inércia – à morte.
É muito natual que os homens odeiem aqueles que dizem ou tentam dizer a verdade. A verdade Ă© triste (dizia Renan) – mas, com maior frequĂŞncia, Ă© horrĂvel, temĂvel, anti-social. DestrĂłi as ilusões, os afectos. Os homens defendem-se como podem. Isto Ă©, defendem a sua pequena vida, apenas suportável Ă força de compromissos, de embustes, de ficções, etc. NĂŁo querem sofrer, nĂŁo querem ser herĂłis. Rejeição do heroĂsmo-mentira.
Mente Estável e Mente Instável
O homem capaz de sacrificar de ânimo leve um hábito mental há muito tempo formado constitui uma excepção. A grande maioria dos seres humanos não gosta e, na realidade, até detesta todas as noções com as quais não estão familiarizados. .
A tendĂŞncia do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou nĂŁo visionário, será sempre para verificar que «aquilo que está, está certo». Menos sujeito aos hábitos de raciocĂnio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que Ă© novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido Ă sua relutância em aceitar modificações, dĂŁo Ă estrutura social a sua sĂłlida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viverĂamos num caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu nĂşmero. DaĂ resulta que, ao aparecerem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.
Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet,
To Sleep, To Dream
Dormir, sonhar — o poeta inglês o disse…
Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse
Ah! Mas se a gente nunca mais dormisse
E a ilusões não mais acalentasse?E o que importava que o futuro risse
De um visionário que tal cousa ideasse;
Se nĂŁo seria o Ăşnico que abrisse
Uma exceção da vida humana à face?…Se os imortais filósofos modernos
Que derrubaram todos os infernos,
Que destruĂram toda a teogonia.Orientando a triste humanidade,
Deixaram, mais e mais, a piedade
Inteiramente desolada e fria?
Na maioria dos casos o estado visionário abate o homem, e o embrutece.