Passagens sobre Vontade

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O homem é assim o árbitro constante de sua própria sorte. Ele pode aliviar o seu suplício ou prolongá-lo indefinidamente. Sua felicidade ou sua desgraça dependem da sua vontade de fazer o bem.

O Tipo de Homem que Eu Sou

Agora é necessário que eu deva dizer que tipo de homem sou. O meu nome não importa, nem qualquer outro pormenor exterior particular acerca de mim. Do meu carácter alguma coisa deve ser dita.

Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim, todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, uma incerteza para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo é significado. Todas as coisas são «desconhecidos» simbólicos do Desconhecido. Consequentemente horror, mistério, medo supra-inteligente.

Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo enquadramento da minha juventude, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isso eu sou das espécies internas de caráter, auto-centrado, mudo, não auto-suficiente mas auto-perdido. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror de, na incapacidade que permeia tudo o que me é, fisicamente e mentalmente, por actos decisivos, por pensamentos definidos. Eu nunca tive uma resolução nascida de uma auto-determinação, nunca uma traição externa de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi terminado;

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As Personagens dos Meus Livros

Claro que vivo com as personagens dos meus livros, embora as não conheça. Nenhuma delas se encaixa, inteiramente, em pessoas que conheci. É verdade que, numa ou noutra pessoa que tenha conhecido, colhi e observei coisas naturalmente reflectidas em personagens do livro. Mas tal não acontece imediatamente, quer dizer, não as torna identificáveis com as pessoas que andam por aí. Quem afirmar o contrário dá-me uma grande novidade. E se alguém se reconhece nelas tenho de atribuir tal facto a um exacerbado narcisismo, que me dá vontade de rir. Não, não sou contra nem a favor dos narcisistas. Só que me parece que o narcisismo não leva a grandes consequências…

Nada é tão fácil que, feito de má vontade,
não se torne difícil.

A Alma Transforma-se em Sensações

Eis um efeito que me será contestado, e que só apresento aos homens que, digamos, são bastante infelizes para terem amado com paixão durante longos anos, dum amor contrariado por obstáculos invencíveis:
A vista de tudo o que é extremamente belo, tanto na natureza como nas artes, traz-nos a recordação do que amamos, com a rapidez de um relâmpago. É que, pelo processo do ramo de árvore guarnecido de diamantes da mina de Salzburgo, tudo o que no mundo é belo e sublime faz parte da beleza do que amamos, e esta visão imprevista da felicidade enche-nos os olhos de lágrimas num instante. É assim que o amor do belo e o amor se dão vida um ao outro.
Uma das infelicidades da vida é que a ventura de ver a quem amamos e de lhe falar não deixa recordações distintas. Aparentemente, a alma está demasiado perturbada pelas suas emoções para poder prestar atenção ao que as causa ou as acompanha. Transforma-se na própria sensação. É talvez porque estes prazeres não se podem renovar sempre que queremos, por simples força de vontade, que se renovam com tanta força, desde que um objecto qualquer nos venha tirar da meditação consagrada à mulher que amamos,

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O heroísmo é o estado de espírito de um homem que caminha para um fim único, em face do qual nada mais é tido em consideração. O heroísmo é: a decidida vontade de perecer.

Renunciar à Sede de Poder

Quem não conheceu a tentação de ser o primeiro na cidade nada compreenderá do jogo político, da vontade de submeter os outros para deles fazer objectos, nem adivinhará os elementos de que é composta a arte do desprezo. A sede de poder, raros são os que não a tenham num grau ou noutro experimentado: é-nos natural, e contudo, se a considerarmos melhor, assume todos os carácteres de um estado mórbido do qual apenas nos curamos por acidente ou então por meio de um amadurecimento interior, aparentado com o que se operou em Carlos V quando, ao abdicar em Bruxelas, no topo da sua glória, ensinou ao mundo que o excesso de cansaço podia suscitar cenas tão admiráveis como o excesso de coragem. Mas, anomalia ou maravilha, a renúncia, desafio às nossas contantes, à nossa identidade, sobrevém somente em momentos excepcionais, caso limite que satisfaz o filósofo e perturba profundamente o historiador.

Somente em Ser Mudável Tem Firmeza

Todo animal da calma repousava,
Só Liso o ardor dela não sentia;
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava.

Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava.

Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:

Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza.

A Hipocrisia do Amor ao Povo

Estes amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor, que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas; vêem-se generosos e sensíveis quando se debruçam sobre a classe inferior e traduzem, na linguagem adamada, o que dela julgam perceber; é muito interessante o animal que examinam, mas que não tente o animal libertar-se da sua condição; estragaria todo o quadro, toda a equilibrada posição; em nome da estética e de tudo o resto convém que se mantenha.
Há também os que adoram o povo e combatem por ele mas pouco mais o julgam do que um meio; a meta a atingir é o domínio do mesmo povo por que parecem sacrificar-se; bate-lhes no peito um coração de altos senhores; se vieram parar a este lado da batalha foi porque os acidentes os repeliram das trincheiras opostas ou aqui viram maneira mais segura de satisfazer o vão desejo de mandar; nestes não encontraremos a frase preciosa, a afectada sensibilidade, o retoque literário; preferem o estilo de barricada; mas, como nos outros, é o som do oco tambor retórico o último que se ouve.

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Depois Que O Som Da Terra, Que É Não Tê-Lo

Depois que o som da terra, que é não tê-lo,
Passou, nuvem obscura, sobre o vale
E uma brisa afastando meu cabelo
Me diz que fale, ou me diz que cale,

A nova claridade veio, e o sol
Depois, ele mesmo , e tudo era verdade,
Mas quem me deu sentir e a sua prole?
Quem me vendeu nas hastas da vontade?

Nada. Uma nova obliquação da luz,
Interregno factício onde a erva esfria.
E o pensamento inútil se conduz

Até saber que nada vale ou pesa.
E não sei se isto me ensimesma ou alheia,
Nem sei se é alegria ou se é tristeza.

Precisamos não só retribuir a quem nos favoreceu, mas prestar favores a outros. Do contrário, não sintonizaremos com a vontade de Deus.

Um povo já não acredita nas promessas dos governantes, porque perdeu a vontade fanática que o levava a acreditar e a tecer razões para isso.

Cultiva a concentração, tempera a vontade, faz de ti uma força pensando, o mais intimamente possível, que és realmente uma força.

Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas.

O tempo parou feio fotografia, amarelou tudo o que não se movia. O tempo passou, claro que passaria, como passam as vontades que voltam outro dia.